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Quem vai liderar?

samsung-pay-mobiler-bezahldienstAbaixo, reproduzo meu texto publicado no Brazil Journal, sob o título “Cielo, Stone, Linx e PagSeguro:  quem vai liderar?

O mercado brasileiro de credenciadoras de cartão terá um novo líder em alguns anos — ou ainda mais cedo, se os atuais líderes não mudarem sua estratégia.

O negócio de credenciamento é uma commodity. Apesar desta afirmação ser óbvia para alguns, a maioria das credenciadoras ainda não percebeu isso e continua a competir apenas com base no preço.

Mas a guerra brutal pelo mercado será vencida por aqueles players que conseguirem atender as necessidades do varejista além de pagamentos. Isso significa entender a cadeia de valor do comerciante, identificar “dores”, criar e ofertar soluções.

Dois grandes grupos de problemas e soluções irão dominar as próximas batalhas dessa guerra pela liderança:

a) Oferta de serviços e soluções financeiras para atacar problemas: as altas taxas de juros, baixa oferta de crédito, fees e despesas bancárias, serviços de cobrança etc;  

b) Tecnologia: há um grande espaço para a melhoria dos sistemas de automação, softwares e aplicativos que proporcionem aumento nas vendas, fidelização e melhoria na operação.

Os exemplos acima são apenas algumas das áreas que, uma vez integradas aos meios de pagamento, trarão enormes benefícios para os comerciantes de produtos e serviços no varejo. 

Com pouquíssimas exceções, um terminal POS conectado a uma credenciadora é um sistema totalmente apartado, que roda paralelamente a frente de caixa da loja. No final do dia, os comerciantes precisam conciliar suas vendas registradas com o extrato fornecido pela credenciadora e o extrato bancário.

Além disso, a maioria dos sistemas de automação do comerciante é baseada em hardware, o que dificulta a integração, resultando em uma enorme oportunidade para os provedores de tecnologia. 

Os terminais POS são coisa do passado.  Quem quiser ser líder em pagamentos tem que pensar em como se livrar dos plásticos e dos terminais. Os pagamentos tornaram-se invisíveis em alguns setores, e serão invisíveis em toda a indústria no futuro. Quais players podem tomar a liderança? Vejamos o movimento de algumas credenciadoras e seus possíveis impactos na disputa pelo mercado.  

Stone:

A Stone foi provavelmente a primeira a explorar no Brasil a ideia de integrar tecnologia e meios de pagamento (“software Integration”). Considere todas as empresas que a Stone adicionou aos seus ativos. Eles já podem oferecer serviços adicionais, integrados à solução de pagamento, ajudando os comerciantes a reconciliar suas vendas, integrar pagamentos à frente de caixa, liquidar transações em contas divididas (“split settlement”), serviços financeiros, software de automação, ERP, etc.

Capacidade de distribuição é um fator chave de sucesso. A Stone contratou um exército de vendas e criou o que eles chamam de Stone HUB. A ideia é estar mais perto do comerciante. Um Stone HUB é um pequeno escritório que cobre uma área geográfica com até 400 mil habitantes. Nas grandes cidades, como São Paulo, um HUB abrangerá um bairro, por exemplo.

Isso soa insano devido ao alto custo de aquisição de clientes (o CAC, ou customer acquisition cost), no entanto, à medida que oferta outros produtos além de pagamentos, a Stone pode obter uma redução sensível em seu CAC. Como a Stone não está vinculada a nenhum banco, acredito que essa era sua única saída possível para distribuição e crescimento rápido. Por outro lado, existe um alto risco de insucesso. Uma abordagem de vendas digitais reduziria ainda mais o CAC, mas talvez os comerciantes brasileiros ainda não sejam facilmente alcançáveis ​​por meios digitais.

De qualquer forma, com os HUBs e o exército de vendas, a Stone já está tendo o benefício de um aumento em seu reconhecimento da marca. Oferecer não apenas soluções financeiras, mas também serviços de tecnologia, colocou a Stone na dianteira dessa batalha, diferenciando-a da concorrência.

PagSeguro:

A PagSeguro nasceu digital e utiliza os terminais POS móveis para atender um mercado totalmente novo, os chamados microcomerciantes.

Como a grande maioria dos MEIs (os microempreendedores individuais) não aceita cartões de crédito ou débito como meio de pagamento, e como mais de 80% não têm uma conta bancária, os bancos e credenciadoras nunca prestaram atenção nesse segmento.

Ao oferecer a possibilidade de comprar seus próprios terminais mPOS (mobile POS), combinados com uma conta de pagamento, a PagSeguro foi capaz de crescer rapidamente neste segmento com um nível de fidelização jamais visto. Mais de 70% dos clientes da PagSeguro transacionam mensalmente. 

Além disso a PagSeguro agora tem seu próprio banco, e aumentará a carteira de serviços financeiros de “conta bancária” para “o que você precisar”. Sua intenção velada é se tornar o banco para microcomerciantes e PMEs.

A PagSeguro nasceu digital, e acredito que em breve lançará produtos diferentes que substituirão a necessidade de um mPOS — talvez, migrando totalmente para pagamentos móveis.

Os novos players:

Os IPOs da PagSeguro e Stone abalaram o mercado e acordaram outros players. Se uma instituição financeira e empresas de pagamentos podem adicionar capacidade tecnológica para competir melhor, por que uma gigante de tecnologia não pode oferecer pagamentos e serviços financeiros? 

Não estou falando de Google, Facebook, WhatsApp, Amazon, Apple ou Samsung. Sabemos que essas empresas olham para o futuro dos pagamentos e, de certa forma, já atuam nisto principalmente fora do Brasil.

Olhamos os fornecedores de software, empresas que já possuem grande base de clientes, como a Linx. É muito cedo para falar sobre a Linx, mas as duas maiores credenciadoras do mercado perderam a oportunidade de estabelecer uma parceria comercial com essa empresa de tecnologia. 

No final de 2018, a Linx lançou a Linx Pay.  Mais do que uma sub credenciadora, a Linx Pay faz parte de uma plataforma que combina diferentes alternativas para atender o cliente. O mercado tem que acompanhar a capacidade de execução da Linx e ver como eles irão impactar o mercado de pagamentos.

Os atuais líderes:

Podemos ver a integração de pagamentos com serviços financeiros ofertados por outros players, como Rede, GetNet e SafraPay.  

Entretanto, a fórmula que combina “conta bancária + credenciamento + financiamento” — assumindo que não seja uma “venda casada” — é uma oferta relativamente igual entre os concorrentes e, no final do dia, o preço é a única diferenciação.

Depois de ser adquirida pelo Itaú, a Rede passou um bom tempo buscando eficiência e integrando suas áreas com o próprio banco. Como resultado, deve continuar perdendo as parcerias que construiu com outros bancos. Muitos desses resolveram lançar sua própria credenciadora. Sem inovação e integrada ao banco controlador, espera-se que tenha um market share equivalente ao market share do Itaú.

A Cielo teve todo o tempo, dinheiro, pessoas e conhecimento para mudar o mercado, manter sua posição de liderança e ser reconhecida com uma companhia inovadora. Mas até agora, a companhia nada fez de disruptivo. Mesmo o esforço de inovação que foi a LIO vai na contramão do imperativo de mercado: “não gaste dinheiro em hardware, preste atenção na desmaterialização.”

Nunca esquecerei a frase de um conselheiro, capitão de um grande banco, sobre um novo concorrente que surgira no setor de pagamentos: “Espere e você verá, eles não comerão peru no Natal deste ano”. De alguma forma, esta frase reflete como grandes, ricas e gordas organizações enfrentam os novos concorrentes: com arrogância.

A arrogância dos grandes parece ser muito comum em nossa sociedade. Afinal, se são os grandes vitoriosos, eles devem ser os melhores naquilo que fazem, certo?

Na verdade, os líderes tendem a gastar muita energia para manter o status quo. Um amigo, executivo do setor de tecnologia, disse: “A Cielo passou os últimos dez anos impedindo o desenvolvimento do mercado…  Você não pode fazer uma joint venture entre uma empresa que quer desenvolver um mercado e outro cuja única estratégia é mantê-lo para si mesma.” 

No livro As 22 Leis Imutáveis do Marketing, os autores Al Ries e Jack Trout, descrevem a Lei do Sucesso: “O sucesso frequentemente leva à arrogância e a arrogância ao fracasso.” Acredito que as grandes credenciadoras vão reagir e usar todo o seu poder para se reinventar, trazendo inovações reais para o mercado. Na Cielo, especialmente, o novo CEO já fala da necessidade de mudança.

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Carteiras Virtuais – 2019 promete

Mobile Payment já é realidade em alguns países e que deve crescer muito por aqui. A Payly é mais uma concorrente nesse mercado, uma carteira virtual lançada pelo Grupo Cosan, em parceria com o grupo Manzat.

Veja matéria da Natali Niri, no Brazil Journal, sob o título: “EXCLUSIVO: Por dentro da Payly, a fintech da Cosan”

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A privatização do dinheiro, silenciosa e radical

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Um grande amigo insiste que devemos sempre ouvir opiniões contraria e com isso melhorar nosso próprio julgamento e decisão. Concordo!

Então divido com vocês o artigo é de Brett Scott, ex-corretor financeiro e autor de “O Guia Herege para as Finanças Globais: Hackeando o Futuro do Dinheiro” (Pluto Press), publicado por Outras Palavras, 07-03-2017. A tradução é de Inês Castilho e Antonio Martins.

Eis o artigo.

Recentemente me vi encarando uma máquina de venda num corredor tranquilo da Universidade de Tecnologia Delft, na Holanda. Estava ali para fazer uma exposição na conferência “Reiventar o Dinheiro”, mas, sofrendo de jetlag e exaustão, fui à procura de uma Coca-Cola. A máquina tinha uma pequena interface digital construída por uma empresa holandesa denominada Payter. Nela estava impressa um aviso: “Apenas pagamento sem contato”. Introduzi meu cartão bancário, mas, ao invés de receber uma Coca, recebi a mensagem: “Cartão inválido”. Nem todos os cartões são iguais, ainda que você consiga ter um – e nem todo mundo consegue.

No imaginário de um economista, num mercado livre ideal indivíduos racionais fazem contratos de troca monetária em benefício mútuo. Uma parte – denominada ‘comprador’ – passa células de dinheiro para outra parte – denominada ‘vendedor’ -, que por sua vez lhe entrega bens ou serviços reais. De modo que aqui estou eu, um indivíduo cansado procurando racionalmente por açúcar. O mercado está diante de mim, há bebidas gasosas empilhadas numa prateleira, numa máquina de venda que age em nome do vendedor de Coca-Cola. É um aparato mecânico obediente que se baseia num simples contrato comercial: se você dá dinheiro para meu proprietário, eu lhe dou uma Coca. Por que razão, então, esse diabo de máquina não realiza esse contrato comigo? Isso é um fracasso comercial.

Para compreender esse fracasso, precisamos primeiro entender que vivemos com dois tipos de dinheiro. ‘Dinheiro vivo’ é o nome dado ao nosso sistema de notas físicas que são passadas adiante manualmente para fechar transações. Essa primeira modalidade de dinheiro é pública. Podemos chamá-la de ‘dinheiro do Estado’. De fato, vivemos a experiência do dinheiro vivo como algo de uma utilidade pública que está dada. Assim como outras utilidades públicas, ele pode passar a sensação de sujeira e não é nada sexy – tem algumas deficiências e aberturas para a corrupção – mas é, em princípio, de acesso aberto. Pode ser passado pelo mais rico diretamente ao mais pobre da sociedade, ou vice-versa.

Em paralelo a ele, temos um sistema de dinheiro digital, no qual as nossas notas de dinheiro vivo tomam a forma de “objeto de dados”, registrados numa base de dados por uma autoridade – um banco –, ao qual foi concedido o poder de “manter sua contagem” para nós. Referimo-nos a isso como nossa conta bancária e, em vez de transportar esse dinheiro fisicamente, nós o “movemos” através de mensagens a nossos bancos – via celular ou internet, por exemplo – pedindo que editem os dados. O dinheiro “vai” para o proprietário do seu apartamento se os respectivos bancos, o seu e o dele, concordarem em editar suas contas, reduzindo a contagem da sua conta e aumentando a do seu senhorio.

Essa segunda modalidade de dinheiro é essencialmente privada, e funciona através de uma infraestrutura controlada por bancos comerciais em busca de lucro, hospedados por intermediários de pagamento privados – como Visa e Mastercard – que trabalham com eles. Os registros de dados de sua conta bancária não são de dinheiro do Estado. Sua conta bancária registra, ao invés disso, promessas emitidas por seu banco privado para você, e que lhe prometem, se desejar, acesso ao dinheiro do Estado. Ter “500 libras” em sua conta no banco Barclays significa na verdade que o “Barclays PLC promete a você o acesso a 500 libras”. A rede de caixas automáticos é o principal meio pelo qual você converte essas promessas de bancos privados – “depósitos” – no dinheiro do Estado que foi prometido para você. O sistema digital de pagamentos, por outro lado, é um modo de transferir – ou reassegurar – entre nós essas promessas bancárias.

Esse duplo sistema nos permite comprar pizza num restaurante com dinheiro digital bancário privado, mas podendo sempre recorrer ao dinheiro público do Estadoretirado de um caixa eletrônico, se o sistema de cartão de débito do proprietário sofrer qualquer acidente. Essa escolha parece justa. Conforme o momento, podemos achar mais útil esta ou aquela modalidade. Ao mesmo tempo em que você lê isso, contudo, arquitetos de uma “sociedade sem dinheiro vivo” estão trabalhando para acabar com a opção de recorrer ao dinheiro do Estado. Eles desejam privatizar completamente a movimentação de células de dinheiro, empurrando os bancos e os intermediários de pagamentos privados para todas as interações entre compradores e vendedores.

A sociedade sem dinheiro vivo – que deveria ser denominada, mais precisamente, de sociedade de pagamentos bancários – é com frequência apresentada como inevitável, resultado do “progresso natural”. Esta alegação é tanto ingênua quanto desonesta. Qualquer sociedade futura sem dinheiro vivo e com pagamento bancário será resultado de uma guerra deliberada ao dinheiro, movida pela aliança de três grupos de elite com profundos interesses em vê-la emergir.

O primeiro grupo é o do setor bancário, que controla o sistema fundamental de dinheiro digital fiat com o qual nosso sistema público de dinheiro vivo compete atualmente. Os bancos se irritam porque as pessoas usam de fato o direito de converter seus depósitos bancários em dinheiro do Estado. Isso os força a manter funcionando a rede de caixas eletrônicos. A sociedade sem dinheiro vivo, a seus olhos, é uma utopia em que o dinheiro não pode sair – ou mesmo existir – fora do sistema bancário, mas apenas ser transferido de banco para banco.

O segundo é o da indústria privada de pagamentos – os Visa e Mastercard da vida – que lucram ao manter a infraestrutura que serve ao sistema bancário, racionalizando o processo pelo qual transferimos dinheiro digital entre contas bancárias. Essa indústria tem boas razões para pressionar o sistema para remover a opção de dinheiro vivo. Transações em dinheiro vivo são pessoa-a-pessoa, não requerem intermediários, e são portanto transações em que a Visa não pode meter a mão.

A terceira – talvez ironicamente – é a do Estado, e de entidades quase-Estado tais como bancos centrais. Elas estão unidas ao setor financeiro para forçar todo o mundo a comprar nessa sociedade de pagamentos bancários privatizados, por razões de monitoramento e controle. O sistema de dinheiro bancário forma um panóptico que possibilita – em teoria – que todas as transações, boas ou más, sejam gravadas, espionadas e analisadas. Além do mais, a natureza “off line” do dinheiro vivo significa que ele não pode ser alterado ou congelado remotamente. Isso atrapalha os bancos centrais na implementação de políticas monetárias “inovadoras”, tais como configurar taxas negativas de juros, que lentamente reduzem os depósitos, para coagir as pessoas a gastar.

Os governos não declaram, de fato, essa agenda monetária. Ela não é suficientemente cativante. Em vez disso, as armas-chave usadas pela aliança são táticas mais clássicas, de choque e pavor. Dinheiro vivo é usado por criminosos! As pessoas compram drogas como dinheiro vivo! É a economia paralela! Ela sustenta a evasão fiscal! A capacidade de apresentar controle como proteção baseia-se em constantes chamadas para imaginar um inimigo externo, o terrorista ou a máfia. Esses gritos de pânico moral contrastam com as publicidades brilhantes e sorridentes do pagamento digital. A sociedade sem dinheiro vivo emerge como um nascer de sol futurista, que nos limpa dessas perigosas notas sujas com raios de salvação higiênica, conveniente, digital.

Apoiando essa aliança central está um corpo auxiliar de acadêmicos, economistas e futuristas do establishment, que vivem em subúrbios frondosos, voam de classe executiva para fazer palestras em conferências de tecnologia, atendidos por um bando de bajuladores da mídia e jornalistas de inovação que pregam o evangelho da ausência de dinheiro. “The Curse of Cash” (A Maldição do Dinheiro Vivo, em tradução livre), por Kenneth Rogoff, professor de economia de Harvard, foi indicado ao prêmio do Ano pelo Financial Times e o McKinsey Business Book, sem dúvida acompanhado de convites para conferências patrocinadas pela indústria financeira em hotéis cinco estrelas.

O terror psicológico está funcionando. A Holanda – onde encarei minha máquina de vender produtos – tornou-se uma frente chave na guerra contra o dinheiro vivo. Aqui o dinheiro está passando a ser visto como um estrangeiro ilegal em fuga, cada vez mais excluído da economia formal, atraindo olhares de suspeita de vendedores. Avisos dizem ‘Apenas cartão’. Quem é o Cartão? O Cartão é um socialite glamuroso, bem-vindo às lojas. O Cartão é superior. Observe os anúncios dos bancos mostrando seus acessórios para o Cartão. Ninguém está fazendo acessórios para o Dinheiro Vivo.

A linha de frente dessa aliança está agora se infiltrando nos países mais pobres. Na Índia, a recente “desmonetização” foi uma retração brutal das notas de rúpia, de um dia para o outro, feita pelo primeiro ministro Narendra Modi para disciplinar a ‘economia paralela’. Foi um exercício para chocar os indianos mais pobres, que dependem de dinheiro vivo e com frequência não têm acesso a contas bancárias. Lançada originalmente, em termos populares, como uma tentativa de barrar a corrupção, a mensagem foi depois ironicamente alterada para transformar a ausência de dinheiro vivo numa forma de criar progresso econômico para os pobres da Índia.

Essa mensagem recebe credenciais humanitárias da Better Than Cash Alliance (Aliança Melhor do que Dinheiro Vivo, em tradução livre), que promove ‘a mudança de pagamentos em dinheiro para pagamentos digitais para reduzir a pobreza e levar ao crescimento inclusivo’, e que tem como parceiros-chave a Visa, o Mastercard e a Citi Foundation. A ação de Modi foi também precedida pelo início do programa Cashless Catalyst (Catalisador da Ausência de Dinheiro Vivo, em tradução livre), “uma aliança entre o governo da Índia e a Usaid para expandir os pagamentos digitais na Índia”, apoiado por um panóptico de empresas de pagamento eletrônico. Essas alianças oficiais de Estados, corporações e acadêmicos são impressionantes. Na Índia, elites urbanas endinheiradas que aplaudiram as ações de Modi podem, com certeza, justificar isso apontando o livro de Rogoff indicado pelo Financial Times.

Rogoff, contudo, pareceu assustado e escreveu artigos afirmando que estava defendendo acabar com o dinheiro vivo apenas de economias avançadas, com sistemas bancários avançados. Ó céus. O economista superinfluente e politicamente poderoso de Harvard lança um livro antidinheiro e fica preocupado quando países mais pobres o levam a sério?

A tentativa de apresentar a sociedade sem dinheiro vivo e com pagamentos bancários como um benefício para o povo marginalizado é no mínimo débil. Se você é um habitante vulnerável da economia informal, um prostituto fora da rede ou um trabalhador precário de baixa renda, bancos e intermediários de pagamentos têm pouco interesse em dar prioridade a você. A sociedade de pagamentos bancários não irá processar a atividade que acontece nas fendas periféricas do sistema em que se baseia seu meio de subsistência. Na verdade, a intenção é fechar esses espaços. Isso pode ser caracterizado como “progresso”, mas da mesma forma podemos dizer que você está sendo empurrado para fora da economia numa ação de lavagem econômica. A pretexto de destruir a “economia paralela”, a subclasse, os invisíveis, os excêntricos e os resistentes serão coercitivamente encurralados nas mãos do sistema Estado-corporação.

Nâo tenho nenhum amor especial pelo dinheiro. Não me importo realmente com os devaneios nostálgicos sobre a bela estética das notas de dinheiro, sua textura ou importância cultural num sistema de mercado – ainda que compreenda como isso é importante para muitos. Também não me comovo com a história pedante do dinheiro, se quem lançou as primeiras notas foi a dinastia chinesa de Tang ou de Song. O que me preocupa é a insensibilidade insondável da máquina de vendas, esta mesma que acaba de bloquera minha entrada no livre comércio.

As antigas máquinas de venda automática não eram assim. Elas tinham um pequeno orifício para moedas, que permitiam até a um mendigo em farrapos converter sua renda mínima em sustento. Olhe a máquina atual de perto. São, na verdade, duas. O aparelho Payter fundido em seu corpo não trabalha para o vendedor de cola. Trabalha para as corporações de pagamento. Você sabe, o vendedor de cola tem uma conta bancária, mas há muitas pessoas, com muitas contas em muitos bancos, aproximando-se da máquina de vendas. Estes bancos precisam identificar qual de seus correntistas quer transferir dinheiro – e quanto – para que conta, de que outro banco. O aparelho está lá para entregar minhas informações de cartão às linhas de transmissão do sistema de pagamentos do cartão. Lá, elas serão – em teoria, e mediante uma pequena tarifa – roteadas para facilitar a transferência de dados de dinheiro de minha conta para a conta do vendedor.

Já não se trata de um acordo entre eu e o vendedor. Estou agora lidando com um complexo de terceiras partes desconhecidas, de atravessadores de dinheiro em busca de lucro, que se colocam entre nós para agir como facilitadores do fluxo de dinheiro, mas também como potenciais controladores. Se um controlador não quer negociar comigo, eu não posso fazer negócios com o vendedor. Ele tem a capacidade de confundir, monitorar ou estabelecer condições sobre aquele rito crucial e glorioso do capitalismo – a transferência de dinheiro, como contrapartida à transferência de bens. Este aparelho inócuo exala indiferença mecânica, obedecendo apenas a patrões invisíveis e distantes, executando algoritmos invisíveis, em caixas pretas invisíveis que não gostam de mim.

Se optamos por nos referir aos pagamentos bancários como “sem dinheiro”, então deveríamos nos referir aos pagamentos em dinheiro como “sem bancos”. Porque é isso que o dinheiro físico é, além de ser, hoje, a única coisa que se interpõe entre nós e um sistema monetário completamente privatizado.

Como no caso das privatizações anteriores, ouviremos os “especialistas” apropriados da TV argumentar que se as corporações de pagamento digital não trabalharem em favor do público, serão superadas por sistemas privados melhores. Muito bem.

O máximo que podemos esperar, portanto, é um oligopólio benigno de corporações de pagamento, altament exposto às aspirações geopolíticas dos Estados em que estão instaladas. O Estado chinês estimulou a criação da União de Pagamentos da China (China UnionPay) precisamente porque não quer as megacorporações norte-americanas instaladas como controladoras das transações feitas por cidadãos chineses.

Ao construir uma defesa, há sempre duas opções. Ou você bloqueia um ataque, ou lança um contra-ataque estratégico, muitas vezes expresso na fórmula segundo a qual “o ataque é a melhor defesa”.

Pela primeira estratégia, você concentra-se em afirmar que os argumentos contra o dinheiro são exagerados, imprecisos ou incompletos. Exageros e imprecisões estão presentes nas tiradas contra o dinheiro, mas a incompletude é crucial. Por exemplo, digamos que você concorde que os criminosos preferem dinheiro. Isso significa que “deveríamos abolir o dinheiro”? Banir tudo o que os criminosos preferem produziria quase certamente, para todos, uma existência constrita e sufocante. Parabéns, acabamos com o crime, mas às custas de liquidar também a privacidade e o espaço livre para a criação. O fim do crime vem acompanhado por um Estado de vigilância insuportável, sempre presente ao seu lado, imiscuir-se  em seus momentos mais íntimos, tratando-o como uma criancinha em quem não se pode confiar. Desfrute esta vida.

O segundo modo de defesa ofensiva envolve atacar a alternativa proposta. Afirmamos que a nova sociedade de pagamentos bancários não resolve velhos problemas – o crime torna-se digital e sua conta é sequestrada com mais facilidade que sua carteira era furtada. Ainda pior: esta sociedade introduz uma vasta gama de novos problemas não mencionados de forma explícita no material de marketing do Mastercard. Vamos revelar o que está escrito em tinta invisível: alguém mencionou que, ao excluir a possibilidade de fazer transações com dinheiro tornou-se possível rastrear tudo o que você faz e reprimi-lo? Parabéns, quem não deve, não teme!

Sim, também posso usar táticas de medo. Posso argumentar que a extinção do dinheiro nos aproxima do mais poderoso e automatizado sistema de controle financeiro pelos Estados e corporações que já existiu. Muito poucas pessoas parecem compreender ou se importar com isso. Como um sapo fervido aos poucos, não parecemos nos das conta do processo que nos aprisiona na dependência diária de uma infraestrutura alienadora e opaca, capaz de nos tornar cada vez mais subservientes a processos burocráticos que não enxergamos.

Talvez eu precise acionar o choque e pavor. Talvez eu possa martelar um argumento sobre como, numa sociedade sem dinheiro, os terroristas podem atingir as redes de transmissão elétrica para provocar caos econômico em regiões inteiras.

Não. Minha principal defesa do dinheiro público será simples e intuitiva. Ainda que analógico e não sexy, ele é resiliente. É fácil de usar. Quase não requer estrutura sofisticada. Não está sujeito a falhas algorítmicas de programadores incompetentes. E não deixa rastros de dados que serão usados para projetar, em nossa existência quotidiana, as aspirações e neuroses de tecnocratas sem rostos e analistas de negócios. Ele vem com criminosos – mas, atenção, é o velho capitalismo, e não a versão do sistema na fase de vigilância total descrita no Minority Report. E pergunte a si mesmo: você realmente quer viver neste tipo de sociedade sem a chance de comprar drogas? Acredite, você precisará de algo para amenizar as dores existenciais.

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P2P pode movimentar US$ 900 bi por ano até 2024

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Matéria publicada pela Reuters, sob título “Transferências de dinheiro entre pessoas devem movimentar US$ 900 bi por ano até 2024, diz estudo”

As transferências de dinheiro entre pessoas devem crescer fortemente nos próximos anos, atingindo um valor global de US$ 900 bilhões em 2024, aponta um estudo desenvolvido pela empresa de meios de pagamentos Mastercard.

Em 2015, a transferência de recursos entre pessoas movimentou US$ 26 bilhões, segundo o levantamento.

O crescimento ganha força à medida que se multiplicam as soluções de pagamentos instantâneos com uso de dispositivos móveis, incluindo redes sociais, e cartões de débito ou pré-pagos, que viram opções a dinheiro vivo e transações bancárias tradicionais, disse à Reuters o diretor de pagamentos digitais e inovação da Mastercard no Brasil, Guilherme Esquivel.

Estas soluções incluem transferências automáticas de recursos tais como as feitas por meio do aplicativo de mensagens chinês WeChat, ou o canal próprio de pagamentos do portal de comércio eletrônico Mercado Livre, na Argentina.

Por aqui, o Banco Central tem indicado que pretende regulamentar em 2019 no país um sistema que permitirá transferências financeiras automáticas de forma ininterrupta, inclusive fora do horário de expediente bancário.

Segundo Esquivel, diante do cenário de maiores incertezas sobre os rumos do mercado de pagamentos nos próximos anos, grupos globais que operam no setor, como bancos e empresas de cartões, têm se movimentado para marcar posição se inovações ganharem fôlego.

A própria Mastercard tem procurado se identificar mais como uma empresa de tecnologias de pagamentos, em vez da histórica imagem de bandeira de cartões de crédito. Há dois anos comprou a britânica VocaLink, que processa pagamentos instantâneos com o uso de contas bancárias. Um ano antes, tinha lançado o Send, um serviço que então permitia transferências em quase 30 minutos.

O Send, que pode fazer até transferências internacionais, permite que os usuários de cartões transfiram dinheiro entre si como se enviassem uma mensagem de texto.

A Mastercard tem buscado convencer seus parceiros, incluindo bancos, empresas e fintechs, de que o serviço pode ser um bom negócio devido ao potencial de fidelização de clientes e por potencializar ganhos com tarifas transacionais e antecipação de recebíveis.

Foi com esse desenho que a empresa fechou uma triangulação com bancos e o Uber no começo do ano, por meio do qual o aplicativo de transporte urbano usa uma conta de pagamentos para pagar seus motoristas.

Com o acordo, os prestadores de serviços do Uber podem pedir uma antecipação de recebíveis para, por exemplo, pagar o abastecimento do veículo. O recurso é antecipado por uma instituição financeira, que cobra uma taxa pela operação.

Segundo a Mastercard, neste desenho a solução já movimentou 5 bilhões de dólares nos EUA em 2018. A empresa pretende lançar o mesmo produto no Brasil, também com o Uber, até o fim do ano. No Brasil, os motoristas do Uber recebem os valores por seus serviços em até cinco dias úteis.

Esquivel afirmou que a Mastercard já tem acordos com dois grandes bancos brasileiros para uso do sistema e as conversas estão avançadas com outras instituições financeiras.

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Rômulo Dias: Oportunidade única

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Mas é claro que concordo com o Rômulo! Verdade que quando mudamos de lado passamos a defender outros pontos de vista….faz parte da vida executiva.

Entretanto, note a clareza do texto publicado pela Folha sob o título:  Rômulo Dias: Oportunidade única. Quando se defende algo legítimo é sempre mais fácil de explicar, indo diretamente ao ponto, sem rodeios. Mas é necessário ouvir a outra parte, vamos aguardar.

Reproduzimos o texto abaixo:

Rômulo Dias

Trabalho há décadas em grandes empresas do mercado financeiro. Há três meses estou no Grupo UOL, participando da extraordinária experiência da fintech PagSeguro.

As fintechs têm promovido no Brasil uma verdadeira inclusão financeira. Ao menos 6 milhões de micro, pequenos e médios empreendedores, muitos sem conta em banco, agora podem oferecer aos seus clientes vendas pela internet ou por maquininhas de cartão.

O “milagre” é simples: soluções tecnológicas permitiram baratear radicalmente o custo das transações e do sistema como um todo. Dessa forma, estão promovendo competição num mercado historicamente concentrado. As fintechs oferecem contas digitais sem custos e sem tarifas por transação.

Essa enorme inclusão financeira está sendo feita pela internet e pelas novas tecnologias. Mas isso é só o começo: as grandes inovações estão por vir. Na China, por exemplo, a maior parte das transações já é feita por meio do celular e de uma conta digital. As transações com cartão de plástico e com maquininhas estão desaparecendo.

No Brasil, a lei em vigor (12.865/2013) estimula a inovação e a diversidade de formas de pagamentos. Entre os novos modelos criados pelas empresas de tecnologia que estão ganhando tração mundo afora vale destacar o QR code (igual ao chinês) e a transferência P2P (pessoa para pessoa).

Esses novos modelos desafiam o statu quo. Exatamente por isso, barateiam o custo de uma transação, trazendo benefícios para a sociedade e dando inédito impulso à competição em um mercado historicamente concentrado. 

Somos favoráveis a uma maior concorrência e ao livre mercado. Clientes, sejam lojistas ou pessoas físicas, devem ter a liberdade de escolher em cardápio amplo e variado de opções. O cliente decide; ele deveria ser sempre o centro de tudo.

No entanto, a consulta pública 63 do Banco Central, da maneira como está sendo encaminhada, pode comprometer a diversidade das novas tecnologias, com consequências danosas à competição esperada e prometida pelas fintechs.

Pela consulta, essas empresas deverão se submeter às regras das bandeiras (como Visa e Mastercard), por simples adesão, sem a possibilidade de livre negociação dos contratos. Mas o mais grave é que a proposta obriga as fintechs a fazer a liquidação de qualquer transação dentro de câmara controlada pela Febraban (entidade que representa os bancos). Hoje, os cinco maiores bancos representam ao redor de 90% do mercado financeiro.

Essa liquidação em câmara da Febraban vai aumentar o custo da transação para as fintechs e seus clientes, além de impedir o recebimento pelo lojista no mesmo dia, inibindo a competição e expondo a carteira de clientes dos novos entrantes.

O Banco Central não deveria secundar tal expediente, num mercado cuja concentração atinge 90%. A justificativa de risco sistêmico por si só não é argumento válido para obrigar as fintechs a mudarem sua forma de atuar, reduzindo, assim, a concorrência. Não há que se falar em assimetria regulatória se a participação delas​ no mercado brasileiro é insignificante.

O país não pode perder a oportunidade única e histórica que as novas tecnologias oferecem para promover a competição e democratizar o sistema financeiro, fazendo a inclusão daqueles que sempre estiveram à margem do sistema.

A sociedade brasileira não pode permitir que a regulação atrapalhe o trabalho dos entrantes e sirva de barreira de entrada, sob risco de diminuir a competição e dificultar a inclusão de milhões de pequenos empreendedores que estavam fora desse mercado.

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Pagamento Instantâneo

 

PagamentoReproduzimos abaixo matéria de Flávia Silveira, publicada no Gazeta do Povo, sob o título: Modelo brasileiro de pagamentos instantâneos via celular deve ser definido até fim do ano.

O Banco Central (BC) iniciou, em maio, um grupo de trabalho sobre pagamentos instantâneos com 90 instituições participantes, entre associações representativas, instituições bancárias e de pagamento, entidades governamentais e fintechs. O objetivo é contribuir para a construção de um ecossistema competitivo, eficiente, seguro e inclusivo acerca do tema, segundo o BC.

Os chamados pagamentos instantâneos, ou P2P (peer to peer, em inglês, ponto a ponto), são transferências eletrônicas de valores em que a transmissão da mensagem de pagamento e a disponibilidade dos fundos para o destinatário ocorrem em tempo real, utilizando um dispositivo móvel (smartphone, por exemplo) ou computador. O serviço também deve estar disponível 24h por dia, todos os dias da semana — incluindo feriados. As transferências podem ser feitas entre pessoas (as também chamadas P2P, mas neste caso significando person to person), entre pessoas e estabelecimentos (P2B, person to business) e entre estabelecimentos (B2B, business to business), como por exemplo para o pagamento de fornecedores.

 A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) é uma das participantes do grupo. Segundo Percival Jatobá, coordenador do Comitê de Transformação Digital da entidade, os debates vêm sendo feitos da maneira mais tempestiva e disciplinada possível, para que se entregue uma solução adequada. “Mas é preciso que a discussão seja cuidadosa, para quando vier a solução, os consumidores brasileiros tenham o estado de arte de como se fazer um a transferência”, afirma.

 Jatobá conta que a Abecs, juntamente com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), mantém um grupo de trabalho do mesmo tema em paralelo desde dezembro de 2017. Ele se reúne quinzenalmente no prédio onde ficam as sedes das duas instituições, em São Paulo. “A comunhão destes esforços mostra a importância que temos dado ao tema. O novo grupo de trabalho do Banco Central é reflexo da vontade já antiga do órgão de encontrar uma solução que atenda a todos. Com a formalização do grupo, incorporamos nossas discussões às demandas do BC. É uma evolução”, avalia Jatobá.

 Possíveis mudanças no mercado

As mudanças devem representar uma importante quebra de paradigmas em um mercado tradicionalmente concentrado em bancos e instituições financeiras. “A regulamentação é positiva para toda a cadeia, embora os detentores desse mercado estejam reativos em relação a essas mudanças”, afirma João Sanches, diretor financeiro no Brasil da iZettle, empresa sueca de soluções de pagamentos. “Os pagamentos instantâneos trarão um conforto enorme para o usuário. Praticamente rompem barreiras de infraestrutura e/ou redes fechadas para a realização de transações entre duas pessoas, físicas ou jurídicas”, continua.

 A atitude do BC em regulamentar este tipo de pagamento não é exclusividade do Brasil. Segundo Sanches, isso é comum em outros bancos centrais porque sempre há a preocupação com questões como o risco sistêmico ou o abuso de poder econômico, por exemplo. O grau de intervenção, no entanto, varia de um país para o outro. Ele cita a Suécia, que mantém uma regulamentação próxima em toda a cadeia de serviços financeiros, com o objetivo de viabilizar a realização de negócios, mas sem abrir mão da vigilância.

 “Regular o mercado é benéfico quando o objetivo é criar condições equilibradas de competição, evitar aventureiros, mitigar riscos e proteger o consumidor”, avalia Sanches. Ele pondera, no entanto, que a criação de “barreiras desnecessárias”, que impeçam inovações ou exijam investimentos muito altos, vai contra a intenção de abrir o mercado e estimular a competição saudável. “Fintechs em fase de startup, com pouco poder econômico e sem condição de fazer frente às grandes instituições, podem deixar de existir se houver muitas regras restritivas”, completa.

 Inspirações

O grupo de trabalho do BC encerra as atividades em novembro de 2018. Ao institui-lo, o BC “assume o papel de líder e de catalisador do processo de implantação do ecossistema de pagamentos instantâneos”, diz em documento. A atuação, segundo a instituição, é similar à de bancos centrais como o Banco da Reserva da Austrália, Banco Central Europeu e o Sistema de Reserva Federal (Fed) dos Estados Unidos. E é analisando como se faz nestes locais, juntamente com a já avançada no assunto China, que o Brasil deve definir o seu modelo.

 Na Austrália, desde 2017 funciona a “New Payments Platform”, solução também desenvolvida por um comitê formado por diferentes instituições financeiras e de pagamento do país. Nos Estados Unidos, mais de 30 bancos e cooperativas de crédito lançaram o Zelle, lançado em 2017 com expectativa de reduzir o processamento de um bilhão de cheques e pagamentos que os bancos processam anualmente. Já na União Europeia, o banco central anuncia, desde o ano passado, o TIPS, sigla para Target Instant Payment Settlement, que deve começar a operar até o final de 2018.

 Na China, os pagamentos instantâneos são realidade há mais tempo e o uso de dinheiro em espécie chega a ser visto com estranheza no comércio local. A maioria dos pagamentos P2P é feita pela leitura de QR Codes utilizando principalmente os aplicativos WeChat e AliPay. Em reportagem da rede de TV americana CBS, o economista chinês Dy Mok explica que a China passou de uma sociedade que utilizava cédulas de dinheiro direto para uma com pagamentos instantâneos, pulando a etapa dos cartões de crédito e de débito. Essa transformação levou apenas três anos, segundo Mok, e os QR Codes estão disponíveis em praticamente todos os locais, de bancas em feiras de rua ao pagamento da passagem no transporte público.

 A solução brasileira, segundo Jatobá, deve seguir princípios como interoperabilidade, para que o cliente possa enviar valores entre contas correntes e cartões de créditos, mesmo que de instituições diferentes; universalidade de dispositivos; multicanalidade; segurança, uma vez que se trata do dinheiro das pessoas; experiência do consumidor, oferecendo um serviço prático e agradável capaz de resolver as situações utilizando poucos comandos; e, por último, instantaneidade na disposição dos fundos transferidos.

 Sanches reforça que deveria ser implementado um modelo que permita um nível de controle interno eficaz, mas sem inviabilizar a criação de novos negócios. Porém, acredita que num primeiro momento seja mais viável que a solução surja na rede bancária, com alguma mediação por meio de uma entidade de classe centralizada de pagamentos, como a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP). “Mas nada impede que instituições não financeiras, com capacidade tecnológica para garantir a segurança do usuário e da plataforma, participem com soluções mais leves e práticas, como Facebook e Google, para citar apenas algumas empresas que já têm ou que pretendem contar com uma plataforma de pagamento”, continua.

 “Eletronificação” do dinheiro

Segundo a Abecs, apenas 32% dos pagamentos feitos no Brasil utilizam meios eletrônicos. Com o surgimento de novas possibilidades de transações, a associação acredita que esse número deva aumentar, juntamente com a bancarização da população. “Na medida em que você oferece uma solução P2P, ainda não disponível para boa parte da população, você acelera a ‘eletronificação’ do dinheiro, menos dinheiro em espécie circula e as pessoas se inserem na economia formal. É de se imaginar que mais pessoas passem a fazer parte do sistema bancário do país e ter acesso a serviços que, na informalidade, não têm”, avalia Jatobá.

 Já Sanches acredita que, além de trazer mais rapidez e menores custos aos usuários, as ofertas também devem melhorar, graças ao aumento da competitividade. Outra grande vantagem é a segurança pessoal, uma vez que as pessoas cada vez menos andarão com dinheiro no bolso, ou mesmo um cartão. “O meio físico será cada vez menos importante”, prevê.

 Mas, mesmo quando se trata de uma solução, será preciso estar atento para não correr riscos. O usuário deve ter cuidado com o equipamento de acesso (celular, computador, tablets, etc), garantindo que esteja sempre protegido. Prestar atenção nos contratos de adesão e se informar das leis que regulam, bem como os direitos do consumidor, também é fundamental. Sanches também orienta máximo cuidado com sites e aplicativos mal-intencionados que imitam os originais para captura de dados pessoais, e que jamais se compartilhe estas informações e senhas. “E se existe um órgão regulador, procurar acessar as normas e não hesitar em denunciar possíveis abusos”, conclui.