Categoria: Inclusão Financeira

Matéria de Larissa Maia, publicada em 12/09.25, no Valor Invest, sob o título “Com cartões ‘black’, cooperativas acirram busca por clientes; Vale ter?”

Na semana passada, fui surpreendido por uma matéria cujo título chamava atenção: “Uso do Pix estimulou aceitação de cartão de débito, mostra estudo.” Intrigado — e de certa forma incomodado — com a conclusão, decidi ir à fonte. Afinal, será que o Pix realmente estimulou o uso do cartão de débito? Resolvi investigar.
Fui procurar o estudo original e finalmente tive acesso ao documento publicado em setembro de 2024 no site do Banco Central do Brasil, com o título “Payment Technology Complementarities and their Consequences in the Banking Sector: evidence from Brazil’s Pix”.
O trabalho é assinado por José Renato Haas Ornelas, economista do Banco Central do Brasil e professor da FGV, em parceria com Matheus C. Sampaio, pesquisador da Kellogg School of Management da Northwestern University, nos Estados Unidos. Trata-se de um estudo robusto, com metodologia sofisticada e que traz contribuições relevantes para o entendimento do Pix e seus efeitos. Ainda assim, algumas das conclusões divulgadas na imprensa precisam ser vistas com cautela.
O Pix é, sem dúvida, uma das maiores inovações do sistema financeiro brasileiro de todos os tempos. Em apenas 4 anos, transformou a forma como pessoas e empresas movimentam dinheiro, reduziu drasticamente o uso de papel-moeda e se consolidou como o meio de pagamento mais popular do país.
O estudo em questão conclui que o Pix é complementar, e não substituto, de outros meios de pagamento; que teria impulsionado a aceitação do cartão de débito; que estaria associado a maior bancarização e acesso ao crédito; e que até funcionaria como mecanismo de seguro informal em momentos de crise, como enchentes. São achados relevantes, mas que merecem análise cuidadosa, sobretudo quando olhamos para o contexto histórico e social em que o Pix foi lançado.
Três pontos merecem atenção::
- O contexto ignorado: a pandemia da Covid-19
O Pix foi lançado em novembro de 2020, em plena pandemia da Covid-19. Esse detalhe é decisivo. A crise sanitária transformou radicalmente os hábitos de consumo e pagamento no Brasil.
Com lojas físicas fechadas, milhões de brasileiros passaram a comprar pela internet. Até então, o comércio eletrônico aceitava basicamente cartão de crédito e boleto. O cartão de débito não fazia parte dessa realidade. Foi nesse ambiente que o e-commerce explodiu, que empresas se digitalizaram às pressas e que programas de auxílio emergencial abriram milhões de contas digitais.
Ignorar esse choque histórico enfraquece a hipótese central do estudo — a de que, “se nada tivesse mudado além do Pix, os efeitos observados poderiam ser atribuídos a ele.” Na prática, muita coisa mudou. A pandemia, por si só, já explicaria boa parte da aceleração da digitalização financeira.
- A aceitação do cartão de débito: um resultado frágil
O estudo também aponta que um aumento no número de usuários do Pix teria levado a maior aceitação de cartões de débito. Mas a base de dados utilizada não permite sustentar essa conclusão com segurança.
Em vez de transações individuais, os autores tiveram acesso apenas a dados agregados da CIP. Assim, a métrica construída foi binária: se uma empresa realizou ao menos uma venda com cartão, ela passou a ser classificada como “aceitou cartão”. Essa medida não comprova que os consumidores passaram a usar mais o débito, apenas indica que mais empresas registraram alguma transação.
Esse movimento pode ter várias explicações alternativas: maior concorrência entre adquirentes, redução das taxas cobradas, campanhas das bandeiras. Além disso, se o efeito fosse realmente consistente, deveria aparecer também no crédito — mas não houve resultado significativo nesse caso.
- A inclusão financeira: o impacto mais evidente
Se há um ponto em que não resta dúvida, é na contribuição do Pix para a redução do uso de dinheiro vivo e para a inclusão de milhões de brasileiros no sistema financeiro. Segundo o próprio Banco Central, até dezembro de 2022, o Pix havia sido responsável por incluir financeiramente 71,5 milhões de pessoas, ou seja um terço da população adulta do país.
Essa transformação se explica por um detalhe simples, mas decisivo: antes do Pix, colocar dinheiro em uma conta digital era burocrático. Era necessário imprimir um boleto e pagá-lo em agência ou correspondente. O Pix eliminou essa barreira, permitindo transferências instantâneas entre qualquer conta, de qualquer instituição.
Esse avanço mudou a vida prática do brasileiro que recebia seu salário ou renda em espécie e pagava tudo em papel-moeda. A partir do Pix, ele pôde receber em uma conta digital e usar esse dinheiro para pagar suas despesas por meio do próprio Pix ou de um cartão pré-pago vinculado. Essa é a verdadeira revolução: o Pix nivelou o acesso às contas digitais, tornando-as plenamente funcionais e acelerando a inclusão financeira.
Concluindo, é importante frisar que minhas críticas não diminuem o mérito do estudo de Ornelas e Sampaio. Pelo contrário, reforçam a relevância de trabalhos acadêmicos que se debruçam sobre temas tão transformadores. A ciência cumpre um papel essencial ao organizar dados, testar hipóteses e oferecer interpretações que ajudam a sociedade a compreender fenômenos complexos. O mérito do estudo é justamente trazer novas hipóteses para debate, estimulando análises que complementem a compreensão sobre o impacto do Pix.
Minha leitura é que, em alguns pontos, o estudo atribui ao Pix efeitos que também derivam de outros fatores — em especial da pandemia. Mas não há dúvida de que o Pix foi o motor principal de uma transformação estrutural: reduziu a dependência do dinheiro em espécie, tornou as contas digitais realmente acessíveis e incluiu dezenas de milhões de brasileiros no sistema financeiro nacional.
Essa é a contribuição que permanece e que deve inspirar não apenas pesquisadores, mas também formuladores de políticas públicas em outros países que buscam, como nós, um sistema de pagamentos mais inclusivo, eficiente e universal.
O lançamento do Pix Automático marca mais um avanço importante na transformação dos meios de pagamento no Brasil.
Segundo pesquisa do Banco Central (2023), 35,5% dos brasileiros gostariam de contar com o débito automático — o que revela uma demanda latente por soluções recorrentes mais simples e práticas.
Mas o impacto vai além da eficiência: milhões de pessoas que não possuem cartão de crédito poderão, pela primeira vez, acessar serviços digitais pagos por assinatura — como streaming de vídeo e música, cursos online, academias e outros — utilizando o Pix Recorrente.
Essa nova funcionalidade amplia a inclusão financeira, permitindo que mais consumidores participem da economia digital de forma plena.
Ao mesmo tempo, cria oportunidades de receita recorrente para empresas que antes dependiam exclusivamente do cartão de crédito como meio de cobrança.
Leia em Finsiders
O mercado de pagamentos no Brasil está próximo da saturação, com o Pix ganhando espaço e conduzindo a uma disputa competitiva por market share.
Mas só os agentes mais bem preparados vão capturar os ganhos. Lei meu artigo publicado no NeoFeed, em junho/25

Em apenas quatro anos, o PIX alcançou uma penetração de 35% no consumo privado das famílias brasileiras – um feito impressionante, considerando que os cartões levaram mais de 30 anos para alcançar 52% de penetração.
O impacto dessa inovação vai muito além dos números. Em minha análise, o PIX reflete a capacidade única do mercado brasileiro de se reinventar rapidamente, transformando o comportamento de consumidores e empresas em um curto espaço de tempo.
Leia a matéria de Edson Santos, publicada no Brazil Journal em Janeiro/25


