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Cade investigará praticas anticompetitivas no mercado de meios de pagamento

Antitrust-Act

O Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em sessão realizada nesta quarta-feira (05/12), solicitou a abertura de inquérito administrativo para investigar eventuais práticas anticompetitivas no mercado financeiro e de meios de pagamento eletrônico, em especial os efeitos decorrentes da verticalização no setor.

O pedido de apuração foi formulado após aprovação, na última terça-feira (04/12), de relatório produzido pelo Grupo de Trabalho da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, que registrou preocupações concorrenciais envolvendo o mercado.

Denominado “Inovação e Competição: novos caminhos para redução dos spreads bancários (custos e margens de intermediação financeira)”, o documento apresenta um diagnóstico a respeito de problemas estruturais do setor financeiro, com especial atenção aos custos de intermediação, que levam o Brasil a ter um dos maiores spreads bancários do mundo.

Dentre as sugestões que constam no relatório da comissão, destacamos parte do texto dirigida ao CADE:

“Desde abril de 2017 até setembro deste ano, foram firmados pelo CADE 11 Termos de Compromisso de Cessação (TCCs) envolvendo as maiores instituições financeiras e controladas para que sejam cessadas condutas danosas à competição no mercado de meios de pagamentos. As instituições são acusadas de discriminação e recusa de contratar nas operações de crédito, relacionadas a recebíveis de cartões, os clientes de credenciadoras concorrentes de suas controladas. As condutas se referem a questões como mecanismo de trava de domicílio bancário, práticas de retaliação e venda casada, discriminação da cobrança de tarifas de trava bancária (credenciadoras vinculadas aos grandes bancos cobram tarifas maiores dos bancos de pequeno e médio porte em relação aos seus controlados), e contratos de incentivo (redução da taxa de desconto com objetivo de capturar um determinado volume mensal de vendas). A recorrência de condutas anticompetitivas por parte de grupos verticalizados indica que os TCCs têm sido insuficientes para estimular a concorrência no setor de meios de pagamento. 48 Nesse sentido, deveria ser considerada a possibilidade de proibição pelo CADE de que o mesmo grupo financeiro seja controlador de empresas que atuam em todos os elos do sistema de pagamentos: bandeira, emissão e credenciadora. Em outras palavras, proibir a verticalização poderia ser uma medida mais efetiva que o padrão atual de punições através de multas. Alguns países já caminharam nessa direção, tais como: Israel, Chile, Argentina, União Europeia, Austrália e Estados Unidos.”

O presidente do Cade, Alexandre Barreto, destacou em seu despacho as ressalvas externadas no relatório da CAE relacionadas à falta de concorrência no setor e à recorrência de condutas anticompetitivas por parte de grupos verticalizados. Barreto lembrou ainda que audiência pública promovida pelo Cade, em novembro deste ano, cuja temática se alinha ao estudo produzido pela CAE, apresentou diversas visões a respeito das causas para o elevado custo da intermediação financeira e dos serviços bancários e de pagamento no país.

“Se, por um lado, a verticalização promove eficiências econômicas que podem ser transferidas ao consumidor, por outro lado, diversos agentes externaram suas preocupações no sentido de que, no setor financeiro, a verticalização tem sido mais prejudicial do que benéfica, restringindo a concorrência e dificultando o surgimento e o desenvolvimento de novas empresas no mercado”, apontou.

Desse modo, o Tribunal decidiu solicitar à Superintendência-Geral que apure, em especial, eventuais abusos relacionados a práticas que tenham por objetivo dificultar o surgimento e o desenvolvimento de novos concorrentes e novos modelos de negócios disruptivos, como as fintechs.

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PagSeguro vs Stone – Será?

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Veja a matéria de Natalia Viri, publicada no Brazil Journal, sob o título: “PagSeguro mira mercado da Stone (às vésperas do IPO)”

Não me parece que as duas estão concorrendo diretamente entre si. Na minha opinião a PagSeguro, que nasceu como a PayPal, fez o movimento para se comparar a Square. A estratégia parece ser de incorporar serviços financeiros para conquistar e reter clientes na base da pirâmide. Assim, seu mercado típico é de não bancarizados, pequenos estabelecimentos comerciais que tem pouco ou quase nenhum acesso aos serviços financeiros.

Já a Stone nasceu para concorrer com as Credenciadoras tradicionais. Ao longo de últimos anos o grupo fez investimentos em empresas e plataformas com o objetivo de entregar mais valor para o lojista, além to tradicional serviço de pagamento. Veja as empresas que já integram o modelo de negócio da Stone, divulgadas no prospecto do IPO.

Sua estratégia parece seguir líderes como a Global Payments Inc, ao integrar pagamentos às outras soluções tecnológicas, subindo na cadeia de valor do lojista, gerando fidelização e uma barreira de saída. Certamente que a oferta de serviços financeiros deve fazer parte do pacote, mas para um mercado diferente da PagSeguro. Ainda tenho dúvidas se seu modelo de distribuição é economicamente viável, mas vamos ver.

Alias, as Credenciadoras tradicionais tiveram tempo, dinheiro, escala, distribuição, equipes treinadas, etc. para revolucionar o setor de pagamentos no Brasil, mas não o fizeram. O que faltou? Competência e liderança? Eu não sei!

Já se foram oito anos desde a abertura do setor de Credenciamento e não vimos nenhuma inovação, digna de empresas líderes de mercado.

Hoje temos duas (quase) novatas, com estratégias diferentes, que podem transformar totalmente o nosso mercado: A PagSeguro, com a inclusão financeira, talvez inovando a oferta de serviços financeiros integrados à plataforma de pagamentos e; A Stone, integrando meios de pagamento a outras soluções tecnológicas, uma oferta de valor interessante ao lojista. Enquanto que as outras Credenciadoras só disputam preço e/ou trabalham para manter o status quo.

Quem poderá parar essas das empresas ou dificultar seu crescimento nos próximos anos?

 

 

 

 

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Payments – o livro em Inglês

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Esta é a versão em Inglês do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira – a evolução dos meios de pagamento”, um eBook disponível na Amazon.

Além da versão em Inglês “Payments”, também está disponível o eBook do original em Português.

 

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Cielo abandona sistema de trava de recebível

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Matéria de Vanessa Adachi e Talita Moreira, publicada no Valor Econômico de 4/10, sob o título “Cielo abandona sistema de trava de recebíveis”, evidencia parte das dificuldades concorrenciais na indústria de pagamentos, em especial no setor de credenciamento. Veja: O lento progresso da competitividade na indústria de meios de pagamento

Até julho de 2010, duas Credenciadoras (Cielo e Redecard) dominavam o mercado, um duopólio, já que a Cielo tinha a exclusividade para processar transações com cartões Visa e a Redecard era a única Credenciadora MasterCard (GetNet estava iniciando).

Naquela época, a trava de domicilio bancário era simples e fácil de ser aplicada: O lojista tomava um empréstimo no banco, dando em garantia os recebíveis das transações de cartões de crédito; a Credenciadora recebia a informação do banco e “travava” o domicílio bancário do lojista naquele banco. Em outras palavras, se o lojista tentasse mudar de banco a Credenciadora não permitia, como não havia outra Credenciadora daquela bandeira, que pudesse processar suas transações, o lojista cumpria seu contrato ou, de forma extrema, deixava de aceitar cartões daquela bandeira.

Com a abertura de mercado e entrada de outras Credenciadoras, não restou alternativa aos bancos a não ser construir um acordo para que todos participantes respeitassem a trava de domicílio bancário e, em 1 de julho de 2010, lançaram o Sistema de Controle de Garantias – SCG.

Entretanto, muitas das novas Credenciadoras não controladas por bancos ou ligadas a bancos que NÃO faziam parte do SCG, continuaram atuando livremente no mercado sem a obrigação de respeitar a trava de domicílio bancário e, obtiveram êxito atraindo lojistas e crescendo em participação de mercado.

Entretanto, a gota d’água talvez tenha sido a decisão do Safra de se retirar do acordo, deixando os bancos preocupados.

Na matéria, o Valor informa que “O BC tem assumido a postura de não interferir diretamente no tema, sob o argumento de que o SCG é um sistema privado e que as partes precisam chegar a um acordo. O órgão regulador já decidiu que o controle das garantias passará a ser feito por meio de uma registradora de recebíveis. Em setembro, colocou em consulta pública uma proposta de regulamentação sobre isso.”

Vamos acompanhar os movimentos, mas uma coisa é certa, a indústria de meios de pagamento, que está em constante evolução, promete mudanças significativas para os próximos anos. Feliz por estar vivendo esse processo, afinal, viver a ruptura do velho e o nascimento do novo é uma das coisas mais fantásticas de se testemunhar.

 

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A privatização do dinheiro, silenciosa e radical

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Um grande amigo insiste que devemos sempre ouvir opiniões contraria e com isso melhorar nosso próprio julgamento e decisão. Concordo!

Então divido com vocês o artigo é de Brett Scott, ex-corretor financeiro e autor de “O Guia Herege para as Finanças Globais: Hackeando o Futuro do Dinheiro” (Pluto Press), publicado por Outras Palavras, 07-03-2017. A tradução é de Inês Castilho e Antonio Martins.

Eis o artigo.

Recentemente me vi encarando uma máquina de venda num corredor tranquilo da Universidade de Tecnologia Delft, na Holanda. Estava ali para fazer uma exposição na conferência “Reiventar o Dinheiro”, mas, sofrendo de jetlag e exaustão, fui à procura de uma Coca-Cola. A máquina tinha uma pequena interface digital construída por uma empresa holandesa denominada Payter. Nela estava impressa um aviso: “Apenas pagamento sem contato”. Introduzi meu cartão bancário, mas, ao invés de receber uma Coca, recebi a mensagem: “Cartão inválido”. Nem todos os cartões são iguais, ainda que você consiga ter um – e nem todo mundo consegue.

No imaginário de um economista, num mercado livre ideal indivíduos racionais fazem contratos de troca monetária em benefício mútuo. Uma parte – denominada ‘comprador’ – passa células de dinheiro para outra parte – denominada ‘vendedor’ -, que por sua vez lhe entrega bens ou serviços reais. De modo que aqui estou eu, um indivíduo cansado procurando racionalmente por açúcar. O mercado está diante de mim, há bebidas gasosas empilhadas numa prateleira, numa máquina de venda que age em nome do vendedor de Coca-Cola. É um aparato mecânico obediente que se baseia num simples contrato comercial: se você dá dinheiro para meu proprietário, eu lhe dou uma Coca. Por que razão, então, esse diabo de máquina não realiza esse contrato comigo? Isso é um fracasso comercial.

Para compreender esse fracasso, precisamos primeiro entender que vivemos com dois tipos de dinheiro. ‘Dinheiro vivo’ é o nome dado ao nosso sistema de notas físicas que são passadas adiante manualmente para fechar transações. Essa primeira modalidade de dinheiro é pública. Podemos chamá-la de ‘dinheiro do Estado’. De fato, vivemos a experiência do dinheiro vivo como algo de uma utilidade pública que está dada. Assim como outras utilidades públicas, ele pode passar a sensação de sujeira e não é nada sexy – tem algumas deficiências e aberturas para a corrupção – mas é, em princípio, de acesso aberto. Pode ser passado pelo mais rico diretamente ao mais pobre da sociedade, ou vice-versa.

Em paralelo a ele, temos um sistema de dinheiro digital, no qual as nossas notas de dinheiro vivo tomam a forma de “objeto de dados”, registrados numa base de dados por uma autoridade – um banco –, ao qual foi concedido o poder de “manter sua contagem” para nós. Referimo-nos a isso como nossa conta bancária e, em vez de transportar esse dinheiro fisicamente, nós o “movemos” através de mensagens a nossos bancos – via celular ou internet, por exemplo – pedindo que editem os dados. O dinheiro “vai” para o proprietário do seu apartamento se os respectivos bancos, o seu e o dele, concordarem em editar suas contas, reduzindo a contagem da sua conta e aumentando a do seu senhorio.

Essa segunda modalidade de dinheiro é essencialmente privada, e funciona através de uma infraestrutura controlada por bancos comerciais em busca de lucro, hospedados por intermediários de pagamento privados – como Visa e Mastercard – que trabalham com eles. Os registros de dados de sua conta bancária não são de dinheiro do Estado. Sua conta bancária registra, ao invés disso, promessas emitidas por seu banco privado para você, e que lhe prometem, se desejar, acesso ao dinheiro do Estado. Ter “500 libras” em sua conta no banco Barclays significa na verdade que o “Barclays PLC promete a você o acesso a 500 libras”. A rede de caixas automáticos é o principal meio pelo qual você converte essas promessas de bancos privados – “depósitos” – no dinheiro do Estado que foi prometido para você. O sistema digital de pagamentos, por outro lado, é um modo de transferir – ou reassegurar – entre nós essas promessas bancárias.

Esse duplo sistema nos permite comprar pizza num restaurante com dinheiro digital bancário privado, mas podendo sempre recorrer ao dinheiro público do Estadoretirado de um caixa eletrônico, se o sistema de cartão de débito do proprietário sofrer qualquer acidente. Essa escolha parece justa. Conforme o momento, podemos achar mais útil esta ou aquela modalidade. Ao mesmo tempo em que você lê isso, contudo, arquitetos de uma “sociedade sem dinheiro vivo” estão trabalhando para acabar com a opção de recorrer ao dinheiro do Estado. Eles desejam privatizar completamente a movimentação de células de dinheiro, empurrando os bancos e os intermediários de pagamentos privados para todas as interações entre compradores e vendedores.

A sociedade sem dinheiro vivo – que deveria ser denominada, mais precisamente, de sociedade de pagamentos bancários – é com frequência apresentada como inevitável, resultado do “progresso natural”. Esta alegação é tanto ingênua quanto desonesta. Qualquer sociedade futura sem dinheiro vivo e com pagamento bancário será resultado de uma guerra deliberada ao dinheiro, movida pela aliança de três grupos de elite com profundos interesses em vê-la emergir.

O primeiro grupo é o do setor bancário, que controla o sistema fundamental de dinheiro digital fiat com o qual nosso sistema público de dinheiro vivo compete atualmente. Os bancos se irritam porque as pessoas usam de fato o direito de converter seus depósitos bancários em dinheiro do Estado. Isso os força a manter funcionando a rede de caixas eletrônicos. A sociedade sem dinheiro vivo, a seus olhos, é uma utopia em que o dinheiro não pode sair – ou mesmo existir – fora do sistema bancário, mas apenas ser transferido de banco para banco.

O segundo é o da indústria privada de pagamentos – os Visa e Mastercard da vida – que lucram ao manter a infraestrutura que serve ao sistema bancário, racionalizando o processo pelo qual transferimos dinheiro digital entre contas bancárias. Essa indústria tem boas razões para pressionar o sistema para remover a opção de dinheiro vivo. Transações em dinheiro vivo são pessoa-a-pessoa, não requerem intermediários, e são portanto transações em que a Visa não pode meter a mão.

A terceira – talvez ironicamente – é a do Estado, e de entidades quase-Estado tais como bancos centrais. Elas estão unidas ao setor financeiro para forçar todo o mundo a comprar nessa sociedade de pagamentos bancários privatizados, por razões de monitoramento e controle. O sistema de dinheiro bancário forma um panóptico que possibilita – em teoria – que todas as transações, boas ou más, sejam gravadas, espionadas e analisadas. Além do mais, a natureza “off line” do dinheiro vivo significa que ele não pode ser alterado ou congelado remotamente. Isso atrapalha os bancos centrais na implementação de políticas monetárias “inovadoras”, tais como configurar taxas negativas de juros, que lentamente reduzem os depósitos, para coagir as pessoas a gastar.

Os governos não declaram, de fato, essa agenda monetária. Ela não é suficientemente cativante. Em vez disso, as armas-chave usadas pela aliança são táticas mais clássicas, de choque e pavor. Dinheiro vivo é usado por criminosos! As pessoas compram drogas como dinheiro vivo! É a economia paralela! Ela sustenta a evasão fiscal! A capacidade de apresentar controle como proteção baseia-se em constantes chamadas para imaginar um inimigo externo, o terrorista ou a máfia. Esses gritos de pânico moral contrastam com as publicidades brilhantes e sorridentes do pagamento digital. A sociedade sem dinheiro vivo emerge como um nascer de sol futurista, que nos limpa dessas perigosas notas sujas com raios de salvação higiênica, conveniente, digital.

Apoiando essa aliança central está um corpo auxiliar de acadêmicos, economistas e futuristas do establishment, que vivem em subúrbios frondosos, voam de classe executiva para fazer palestras em conferências de tecnologia, atendidos por um bando de bajuladores da mídia e jornalistas de inovação que pregam o evangelho da ausência de dinheiro. “The Curse of Cash” (A Maldição do Dinheiro Vivo, em tradução livre), por Kenneth Rogoff, professor de economia de Harvard, foi indicado ao prêmio do Ano pelo Financial Times e o McKinsey Business Book, sem dúvida acompanhado de convites para conferências patrocinadas pela indústria financeira em hotéis cinco estrelas.

O terror psicológico está funcionando. A Holanda – onde encarei minha máquina de vender produtos – tornou-se uma frente chave na guerra contra o dinheiro vivo. Aqui o dinheiro está passando a ser visto como um estrangeiro ilegal em fuga, cada vez mais excluído da economia formal, atraindo olhares de suspeita de vendedores. Avisos dizem ‘Apenas cartão’. Quem é o Cartão? O Cartão é um socialite glamuroso, bem-vindo às lojas. O Cartão é superior. Observe os anúncios dos bancos mostrando seus acessórios para o Cartão. Ninguém está fazendo acessórios para o Dinheiro Vivo.

A linha de frente dessa aliança está agora se infiltrando nos países mais pobres. Na Índia, a recente “desmonetização” foi uma retração brutal das notas de rúpia, de um dia para o outro, feita pelo primeiro ministro Narendra Modi para disciplinar a ‘economia paralela’. Foi um exercício para chocar os indianos mais pobres, que dependem de dinheiro vivo e com frequência não têm acesso a contas bancárias. Lançada originalmente, em termos populares, como uma tentativa de barrar a corrupção, a mensagem foi depois ironicamente alterada para transformar a ausência de dinheiro vivo numa forma de criar progresso econômico para os pobres da Índia.

Essa mensagem recebe credenciais humanitárias da Better Than Cash Alliance (Aliança Melhor do que Dinheiro Vivo, em tradução livre), que promove ‘a mudança de pagamentos em dinheiro para pagamentos digitais para reduzir a pobreza e levar ao crescimento inclusivo’, e que tem como parceiros-chave a Visa, o Mastercard e a Citi Foundation. A ação de Modi foi também precedida pelo início do programa Cashless Catalyst (Catalisador da Ausência de Dinheiro Vivo, em tradução livre), “uma aliança entre o governo da Índia e a Usaid para expandir os pagamentos digitais na Índia”, apoiado por um panóptico de empresas de pagamento eletrônico. Essas alianças oficiais de Estados, corporações e acadêmicos são impressionantes. Na Índia, elites urbanas endinheiradas que aplaudiram as ações de Modi podem, com certeza, justificar isso apontando o livro de Rogoff indicado pelo Financial Times.

Rogoff, contudo, pareceu assustado e escreveu artigos afirmando que estava defendendo acabar com o dinheiro vivo apenas de economias avançadas, com sistemas bancários avançados. Ó céus. O economista superinfluente e politicamente poderoso de Harvard lança um livro antidinheiro e fica preocupado quando países mais pobres o levam a sério?

A tentativa de apresentar a sociedade sem dinheiro vivo e com pagamentos bancários como um benefício para o povo marginalizado é no mínimo débil. Se você é um habitante vulnerável da economia informal, um prostituto fora da rede ou um trabalhador precário de baixa renda, bancos e intermediários de pagamentos têm pouco interesse em dar prioridade a você. A sociedade de pagamentos bancários não irá processar a atividade que acontece nas fendas periféricas do sistema em que se baseia seu meio de subsistência. Na verdade, a intenção é fechar esses espaços. Isso pode ser caracterizado como “progresso”, mas da mesma forma podemos dizer que você está sendo empurrado para fora da economia numa ação de lavagem econômica. A pretexto de destruir a “economia paralela”, a subclasse, os invisíveis, os excêntricos e os resistentes serão coercitivamente encurralados nas mãos do sistema Estado-corporação.

Nâo tenho nenhum amor especial pelo dinheiro. Não me importo realmente com os devaneios nostálgicos sobre a bela estética das notas de dinheiro, sua textura ou importância cultural num sistema de mercado – ainda que compreenda como isso é importante para muitos. Também não me comovo com a história pedante do dinheiro, se quem lançou as primeiras notas foi a dinastia chinesa de Tang ou de Song. O que me preocupa é a insensibilidade insondável da máquina de vendas, esta mesma que acaba de bloquera minha entrada no livre comércio.

As antigas máquinas de venda automática não eram assim. Elas tinham um pequeno orifício para moedas, que permitiam até a um mendigo em farrapos converter sua renda mínima em sustento. Olhe a máquina atual de perto. São, na verdade, duas. O aparelho Payter fundido em seu corpo não trabalha para o vendedor de cola. Trabalha para as corporações de pagamento. Você sabe, o vendedor de cola tem uma conta bancária, mas há muitas pessoas, com muitas contas em muitos bancos, aproximando-se da máquina de vendas. Estes bancos precisam identificar qual de seus correntistas quer transferir dinheiro – e quanto – para que conta, de que outro banco. O aparelho está lá para entregar minhas informações de cartão às linhas de transmissão do sistema de pagamentos do cartão. Lá, elas serão – em teoria, e mediante uma pequena tarifa – roteadas para facilitar a transferência de dados de dinheiro de minha conta para a conta do vendedor.

Já não se trata de um acordo entre eu e o vendedor. Estou agora lidando com um complexo de terceiras partes desconhecidas, de atravessadores de dinheiro em busca de lucro, que se colocam entre nós para agir como facilitadores do fluxo de dinheiro, mas também como potenciais controladores. Se um controlador não quer negociar comigo, eu não posso fazer negócios com o vendedor. Ele tem a capacidade de confundir, monitorar ou estabelecer condições sobre aquele rito crucial e glorioso do capitalismo – a transferência de dinheiro, como contrapartida à transferência de bens. Este aparelho inócuo exala indiferença mecânica, obedecendo apenas a patrões invisíveis e distantes, executando algoritmos invisíveis, em caixas pretas invisíveis que não gostam de mim.

Se optamos por nos referir aos pagamentos bancários como “sem dinheiro”, então deveríamos nos referir aos pagamentos em dinheiro como “sem bancos”. Porque é isso que o dinheiro físico é, além de ser, hoje, a única coisa que se interpõe entre nós e um sistema monetário completamente privatizado.

Como no caso das privatizações anteriores, ouviremos os “especialistas” apropriados da TV argumentar que se as corporações de pagamento digital não trabalharem em favor do público, serão superadas por sistemas privados melhores. Muito bem.

O máximo que podemos esperar, portanto, é um oligopólio benigno de corporações de pagamento, altament exposto às aspirações geopolíticas dos Estados em que estão instaladas. O Estado chinês estimulou a criação da União de Pagamentos da China (China UnionPay) precisamente porque não quer as megacorporações norte-americanas instaladas como controladoras das transações feitas por cidadãos chineses.

Ao construir uma defesa, há sempre duas opções. Ou você bloqueia um ataque, ou lança um contra-ataque estratégico, muitas vezes expresso na fórmula segundo a qual “o ataque é a melhor defesa”.

Pela primeira estratégia, você concentra-se em afirmar que os argumentos contra o dinheiro são exagerados, imprecisos ou incompletos. Exageros e imprecisões estão presentes nas tiradas contra o dinheiro, mas a incompletude é crucial. Por exemplo, digamos que você concorde que os criminosos preferem dinheiro. Isso significa que “deveríamos abolir o dinheiro”? Banir tudo o que os criminosos preferem produziria quase certamente, para todos, uma existência constrita e sufocante. Parabéns, acabamos com o crime, mas às custas de liquidar também a privacidade e o espaço livre para a criação. O fim do crime vem acompanhado por um Estado de vigilância insuportável, sempre presente ao seu lado, imiscuir-se  em seus momentos mais íntimos, tratando-o como uma criancinha em quem não se pode confiar. Desfrute esta vida.

O segundo modo de defesa ofensiva envolve atacar a alternativa proposta. Afirmamos que a nova sociedade de pagamentos bancários não resolve velhos problemas – o crime torna-se digital e sua conta é sequestrada com mais facilidade que sua carteira era furtada. Ainda pior: esta sociedade introduz uma vasta gama de novos problemas não mencionados de forma explícita no material de marketing do Mastercard. Vamos revelar o que está escrito em tinta invisível: alguém mencionou que, ao excluir a possibilidade de fazer transações com dinheiro tornou-se possível rastrear tudo o que você faz e reprimi-lo? Parabéns, quem não deve, não teme!

Sim, também posso usar táticas de medo. Posso argumentar que a extinção do dinheiro nos aproxima do mais poderoso e automatizado sistema de controle financeiro pelos Estados e corporações que já existiu. Muito poucas pessoas parecem compreender ou se importar com isso. Como um sapo fervido aos poucos, não parecemos nos das conta do processo que nos aprisiona na dependência diária de uma infraestrutura alienadora e opaca, capaz de nos tornar cada vez mais subservientes a processos burocráticos que não enxergamos.

Talvez eu precise acionar o choque e pavor. Talvez eu possa martelar um argumento sobre como, numa sociedade sem dinheiro, os terroristas podem atingir as redes de transmissão elétrica para provocar caos econômico em regiões inteiras.

Não. Minha principal defesa do dinheiro público será simples e intuitiva. Ainda que analógico e não sexy, ele é resiliente. É fácil de usar. Quase não requer estrutura sofisticada. Não está sujeito a falhas algorítmicas de programadores incompetentes. E não deixa rastros de dados que serão usados para projetar, em nossa existência quotidiana, as aspirações e neuroses de tecnocratas sem rostos e analistas de negócios. Ele vem com criminosos – mas, atenção, é o velho capitalismo, e não a versão do sistema na fase de vigilância total descrita no Minority Report. E pergunte a si mesmo: você realmente quer viver neste tipo de sociedade sem a chance de comprar drogas? Acredite, você precisará de algo para amenizar as dores existenciais.

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Nas lojas, juros nas alturas

a PSJ 3

Taxa de cartões oferecidos nas redes de varejo chega ao triplo da média do mercado

Matéria de RENNAN SETTI – O GLOBO

Quase ninguém sai de uma loja de departamentos sem ouvir, com certa insistência: “Deseja fazer um cartão da nossa loja”? Não é à toa. Com bancos avessos a emprestar diante da retomada lenta da economia e recordes de inadimplência, o varejo tenta ocupar o espaço com a oferta de serviços financeiros, como cartões de crédito próprios, empréstimos e seguros. Mas, se resolve a carência de crédito dos consumidores — muitos deles “negativados” —e turbina o lucro das redes, a estratégia pode ser uma armadilha para o cliente. Os juros dos cartões de redes de varejo — chamados private label (sem bandeira) e cobranded (com bandeira, mas com marca da loja) — podem chegar a quase o triplo da média do mercado no país, que já é alta.

— O varejo percebeu o cartão como ferramenta de fidelização e diferenciação. Enquanto o sistema financeiro tem crédito restrito, a varejista consegue proporcionar isso a um público muitas vezes desbancarizado, de baixa renda e negativado. Só que, com custos operacionais maiores e risco elevado de inadimplência, os juros são bem mais altos — explica Anderson Olivares, da CSU.CardSystem, que emite e processa cartões.

Os juros de cartão mais altos do país, segundo dados do Banco Central do início de agosto, são da Dacasa Financeira. A taxa do rotativo dos seus cartões é de 791,19% ao ano. Em maio, dado mais recente, a média do mercado foi de 291%. A Dacasa explora o filão dos private label, cartões que não têm bandeira e só podem ser usados na loja. No Rio, atua com redes como a de colchões SonoShow e a de óticas Fábrica de Óculos. Perguntada sobre a taxa elevada, a Dacasa disse apenas que atua de acordo com as regras do BC e que, apesar do alto custo do rotativo, oferece a quarta melhor taxa de parcelamento.

Na Marisa, o Custo Efetivo Total (CET) dos cartões no rotativo é de 568,46% ao ano. Na Renner, a taxa máxima é de 526,98%, segundo seu site. De acordo com dados do BC, a financeira das Lojas Riachuelo, a Midway, cobra 382,95% no rotativo. Nos cartões C&A, os juros são de 357,03%.

Carlos Tamaki, diretor da DMCard, que administra cartões sem bandeira com foco em pequenas redes de supermercados, atribui ao espaço deixado pelos bancos a maior adesão de consumidores aos seus cartões. Só no primeiro trimestre deste ano, a empresa registrou R$ 812 milhões em transações, 32% mais que o mesmo período do ano passado.

— O público do cartão private label é geralmente das classes C e D, mais exposta à inadimplência. Além disso, as varejistas não recebem a chamada receita de intercâmbio, parcela de cada transação recebida pelos bancos que emitem cartões. Então, a varejista tenta compensar essas questões cobrando juros maiores — diz Fabrício Winter, da consultoria Boanerges & Cia.

Além do maior risco de inadimplência, o custo de captação contribui para juros mais elevados. Enquanto bancos contam com depósitos dos correntistas para financiar suas operações de crédito, as financeiras buscam alternativas mais caras. A DMCard recorre à emissão de títulos de dívidas (debêntures), por exemplo.

CARTÕES TURBINAM LUCROS

O universo de private label é ainda pequeno — responde por 7% do mercado —, mas vem crescendo nesta década. Segundo a Boanerges & Cia, eles intermediaram R$ 94 bilhões no ano passado, 38% a mais do que em 2010. Os cartões de crédito com bandeira cresceram 46% no período, tendo movimentado R$ 735 bilhões em 2017. Parte disso inclui os cobranded, que têm a marca da loja, mas podem ser usados em qualquer lugar.

— A tendência é a substituição dos private label pelos cobranded, que têm maior apelo junto aos consumidores e apresentam custo de operação muito próximo — diz Antonio Cerqueiro, da consultoria Bain & Co.

As redes também têm usado os serviços financeiros para compensar a redução das margens com as vendas em tempos difíceis. A participação dos serviços financeiros cresce nos resultados das empresas. Na Marisa, a geração de caixa operacional com eles foi de R$ 107,7 milhões no primeiro semestre, enquanto a do seu segmento de varejo ficou negativa em R$ 18,1 milhões. Além de cartão, a rede oferece empréstimos, assistência odontológica e até seguro contra furto de bolsa (desde que o cartão Marisa esteja dentro dela).

Na rede de supermercados Carrefour, o faturamento com cartões próprios saltou 36,2% no primeiro semestre, para R$ 11,9 bilhões. Na Riachuelo, a fatia dos serviços financeiros na geração de caixa subiu de 42,5% para 53% no primeiro semestre. Nenhuma dessas varejistas quis falar sobre o assunto.

Além de conceder menos crédito, os bancos abriram mão de grande parte desse mercado. Em 2005, houve uma forte procura dos bancos pelos varejistas, que eram vistos como um canal privilegiado para chegar à classe C. Mas a relação azedou por volta de 2012 com a insatisfação dos bancos com os resultados, fechando centenas de parcerias. Hoje, operam praticamente apenas com grandes redes, o que abriu espaço para administradoras regionais. Agora, até as start-ups estão de olho no filão: em junho, a fintech Trigg entrou no mercado de private label com duas aquisições.