SuperApps são frequentemente apresentados como o futuro da experiência digital: plataformas que concentram mensagens, pagamentos, delivery, serviços financeiros, agendamentos e compras em um único ambiente. Casos como o WeChat na China e o Grab no Sudeste Asiático inspiram empresas no mundo todo. Mas será que o modelo pode ser replicado no Brasil? A resposta curta: é improvável. Pelo menos, não da mesma forma. Lei meu artigo publicado na Cantarino Brasileiro, em julho/25
Categoria: Market Places

Matéria publicada na edição de hoje no site do Estadão
O unicórnio Ebanx anuncia nesta segunda-feira, 24, a unificação dos dois segmentos em que atuava separadamente: pagamentos de empresas entre-fronteiras (de um país para outro) e pagamentos em moeda local, contemplando os 15 países da América Latina onde a startup está presente. Com isso, a expectativa é fincar o pé na região e ser a referência para empresas internacionais que queiram aterrissar por aqui.
O EbanxOne, como é chamada a solução, permite que transações comerciais de companhias de outros países possam ser realizadas na respectiva moeda latinoamericana local, pagas a fornecedores da região na mesma moeda, convertida em dólares e remetida para a sede da empresa em qualquer lugar do mundo em uma única plataforma. O objetivo da fintech é permitir que empresas possam se expandir na região, sem os entraves burocráticos de instalar sedes e escritórios nos países.
“As empresas têm essa rapidez e flexibilidade de estarem conectadas a só um provedor, que somos nós, e fazer a expansão no continente todo”, afirma ao Estadão o cofundador e presidente executivo do Ebanx, João Del Valle. Na prática, diz o CEO, o serviço integrado permite que um cliente chinês, por exemplo, use pagamentos transfronteiriços no México, entre no mercado argentino e continue com sede e operações no Brasil, realizando transações em moeda local em cada país, recebendo os valores em yuan e até distribuindo pagamentos a fornecedores de cada região, também em moeda local.
Mesmo sendo parecidos, o Ebanx vinha operando esses serviços de forma não integrada. A fintech tem entre os clientes na carteira algumas empresas parrudas do mercado internacional, como Spotify, Airbnb, Uber, AliExpress e Shopee, permitindo remessas internacionais em dólar ou yuan. Segundo especialistas, a novidade possibilita que essas empresas cresçam no mercado latinoamericano, usando uma plataforma única para realizar as operações, sem depender de empresas diferentes em cada país.
“O serviço amplia o mercado para empresas internacionais e tem um pitch de venda melhor porque o Ebanx resolve a dor do cliente com uma única solução integrada”, afirma Marcelo Martins, diretor executivo da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). Justamente por isso, Martins não considera o anúncio uma inovação por si só, mas sim uma demarcação de território para atrair mais clientes interessados na ideia de “one stop shop”, conceito em que o usuário faz tudo em um único serviço: “Esse movimento é mais um posicionamento de marca e de produto do que algo exatamente novo.”
Para Bruno Diniz, chefe na América do Sul da Financial Data & Technology Association (FDATA), o Ebanx One facilita a mobilidade das empresas dentro da região latinoamericana, o que pode ser um diferencial frente a startups rivais do mesmo segmento, como a uruguaia dLocal. “Com esse passo, o Ebanx acaba fazendo com que se diferencie, o que é importante neste momento, quando o e-commerce é impulsionado e atrai mais empresas para a América Latina.”
O diagnóstico bate com o que a fintech brasileira afirma ter sentido durante a pandemia de covid-19 em 2020, quando a empresa intermediou 145 milhões de transações, alta de 38% em relação ao ano anterior. Com o Ebanx One, a expectativa é aumentar em cinco vezes o volume de processamento nos próximos três anos.
“A solução é um diferencial para fincar a bandeira na América Latina”, diz Diniz. “É uma forma de ser um agente consolidador desse tipo de pagamento na região.”
Nascido em Curitiba em 2012, o Ebanx tornou-se unicórnio em outubro de 2019 depois de investimentos do fundo FTV. Desde então, a empresa vem expandindo a sua atuação no mercado latinoamericano, onde tem plano de continuar líder no segmento de pagamentos entre-fronteiras e o objetivo de ser o líder em pagamentos de modo geral.
“Temos orgulho de sermos latinoamericanos e nossa operação é aqui. E a ideia de ir mais fundo na região, e não superficial, está na nossa missão”, explica Del Valle.
Para o futuro, o Ebanx não descarta fazer a oferta pública inicial de ações (IPO) e abrir o capital. De acordo com o presidente executivo da fintech, a empresa está com um projeto de “IPO Readiness”, em que a companhia cumpre requisitos para entrar na Bolsa, e aguarda o período ideal para se lançar no mercado público. “Quem sabe daqui a dois anos a gente queira abrir IPO? Aí já estaremos prontos”, diz, sem detalhar quando seria esse momento.
Apesar de já flertar com a possibilidade de ir para a Bolsa, o orgulho de ser latinoamericano do Ebanx tem limite: a fintech não cogita abrir IPO na Bolsa brasileira ou mesmo em outro lugar em países vizinhos. O foco é a Nasdaq, a bolsa americana conhecida por ser a favorita das empresas de tecnologia. “Somos uma empresa global”, afirma Del Valle.
Payments 4.0


Leia a entrevista sobre o livro “Payments 4.0 – As forças que estão transformando o mercado brasileiro” em: “O livro sobre o futuro da Cielo, Stone, PagSeguro e Rede“, matéria de Pedro Arbex e Geraldo Samos
O Luis Filipe Cavalcanti e eu, Edson Santos, trabalhamos nesse livro com muita dedicação e amor. Foram horas de pesquisa, entrevistas, estudos e discussões. Nossa meta sempre foi dividir conhecimento e experiência que tentamos repassar nessa livro. Espero que vocês possam tirar proveito, com insights e ideias que venham a auxiliar na sua jornada, mas também contribuir com seus comentários e críticas. Por favor, fiquem a vontade!
PAYMENTS 4.0

As forças que estão transformando o mercado brasileiro
Autores: Edson Luiz dos Santos e Luis Filipe Cavalcanti.

No decorrer da nossa jornada profissional, o Luis Filipe e eu, reunimos informações, conhecimento, dados e pesquisas. No início de 2020, chegamos à conclusão de que tínhamos em mãos um material precioso que deveria ser revelado ao público em geral, de forma organizada, com uma linha clara de raciocínio. Dessa aposta, surgiu a ideia de escrever um livro sobre um tema central: como deve evoluir o mercado de pagamentos brasileiro nos próximos anos? Quais são os fatores que estão influenciando a mudança no setor? Como podemos nos preparar e nos antecipar aos movimentos de mercado?
Entendemos que uma das formas chegar a conclusões sobre o futuro é olhar o passado – isto é, analisar a forma como a evolução de uma indústria ocorreu e, a partir daí, traçar cenários e realizar previsões. Entretanto, nesse momento, temos fortes indícios de que está ocorrendo algo único na indústria de pagamentos. Olhar o passado e fazer previsões sobre o futuro não será suficiente para colocar a sua empresa entre os vencedores no mercado de pagamentos.
O motivo é que muitos dos aspectos que estão moldando o futuro dos pagamentos são novos: a desmaterialização do plástico, os pagamentos invisíveis, o crescimento das plataformas e ecossistemas, o pagamento instantâneo e o crescimento exponencial, para citar alguns dos assuntos tratados ao longo do livro. Dessa forma, decidimos elencar e analisar profundamente o conjunto de forças que estão transformando o cenário de pagamentos no Brasil e como a combinação dessas forças tem resultado em um mercado inovador e vibrante, com uma velocidade de transformação jamais presenciada.
Para atingir esse objetivo e apoiar o leitor nessa jornada, organizamos esse livro em onze capítulos. Dedicamos o primeiro deles a colocar todos os leitores no mesmo nível de conhecimento sobre o mercado de meios eletrônicos de pagamento. A complexidade da indústria e os diversos tipos de empresas que oferecem produtos e serviços na cadeia de pagamentos é descrita no segundo capítulo. No terceiro capítulo, introduzimos quais são as seis forças que estão transformando completamente o mercado de pagamentos, em um modelo elaborado por nós a partir de anos de análise.
Nos capítulos quatro até oito descrevemos as forças que estão transformando o mercado atualmente e que influenciarão as empresas do setor em um horizonte de tempo de 3 a 5 anos. Essas forças são a concorrência atual, os novos entrantes, a evolução do varejo, os reguladores do mercado e o avanço das novas tecnologias. No capítulo nove demonstramos que essas forças, embora sejam independentes, têm o potencial de juntas trazer uma disrupção para o mercado de pagamentos, um processo que foi acelerado pela crise causada pela pandemia de COVID-19.
Reservamos o capítulo dez para tratar de uma força em particular, o poder do consumidor, que ganha especial relevância ao analisarmos as gerações que predominarão nas próximas décadas: a geração Y, também chamada de “millennials”, e a geração Z. Elas já são mais da metade da população mundial e, em dez anos, serão 70% do mercado consumidor. Como elas foram influenciadas pelo contexto histórico? Como agem em relação ao trabalho e à vida? Qual a sua relação com as marcas?
É comum que as empresas do mercado de pagamentos foquem seus estudos no lojista, mas é preciso destacar que a influência das forças descritas neste livro tem levado à criação de novas soluções B2B2C e B2C, principalmente pela ascensão do telefone móvel como uma ferramenta única de interação com os consumidores. Além disso, o ritmo das transformações do varejo se dá, principalmente, pela influência de um consumidor soberano e cada vez mais exigente.
Por fim, trazemos no capítulo onze uma visão sobre como o comércio e os meios de pagamento devem se apresentar em dez anos. Discutimos como a transformação digital e a disseminação dos smartphones têm potencializado o desenvolvimento de plataformas e a criação de ecossistemas. Descrevemos a convergência de bancos, varejo, pagamentos e tecnologia na busca de novas fontes de receita. Falamos da desconstrução do plástico, de experiências de pagamento mais fluídas e dos pagamentos invisíveis. Abordamos como os serviços de assinatura e pagamentos recorrentes estão ampliando a participação no mercado, trazendo conveniência e previsibilidade. Por fim, discutimos a dinâmica dos pagamentos instantâneos, as oportunidades e os impactos para a indústria de pagamentos.
Esperamos que este livro seja uma pequena contribuição para a indústria de pagamentos. Desejamos que o leitor se divirta na jornada de leitura, tanto quanto nós no divertimos com os inúmeros debates que surgiram nas pesquisas e na elaboração dos textos. Não é simples escrever sobre um tema tão atual, ainda mais sob a influência da pandemia de COVID-19, que acelerou alguns dos movimentos já em curso na indústria. Finalmente, esperamos que a análise das seis forças descritas no livro contribua e passe a fazer parte da dinâmica de novos negócios e soluções que vivenciaremos na indústria de pagamentos daqui em diante.
Inscreva-se no webinar de lançamento aqui: https://lnkd.in/dP6GXq3.
Pré-venda do livro com 10 % de desconto aqui: https://bit.ly/payments4

PagSeguro Internet S / A (“PagSeguro”), uma subsidiária integral da PagSeguro Digital Ltd. (Bolsa de Valores de Nova York: ticker PAGS), assinou acordo para adquirir 100% da Wirecard Brazil S.A., sujeito a aprovações do Banco Central do Brasil e autoridades antitruste. Veja o anúncio aqui.
A entrada da empresa alemã Wirecard noBrasil se deu em 2016, quando adquiriu a brasileira Moip por R$165 milhões. A PagSeguro não divulgou os valores da transação.
De acordo com o comunicado, a Wirecard tem uma equipe experiente que construiu uma poderosa solução de pagamento online, com mais de 200 mil clientes, incluindo plataformas de e-commerce, marketplaces e plataformas de loja virtual. Além disso, suas soluções online estão disponíveis por meio da programação de aplicativos interfaces (APIs) e são integrados em mais de 40 sistemas de plataforma de loja virtual (e-commerce).
A Wirecard oferece um amplo conjunto de soluções multifuncionais de pagamento online, incluindo:
• E-commerce: Diversas opções de checkout e pagamento usadas em milhares de sites de comerciantes.
• Recorrência: Os comerciantes podem facilmente agendar cobranças e pagamentos recorrentes de seus clientes, como assinaturas periódicas e taxas mensais.
• Dividir pagamentos (com e sem custódia): amplamente utilizado por mercados para dividir pagamentos e comissões em tempo real.
• Triagem Antifraude: Modelos de risco e processos estruturados para garantir um dos mais altos taxas de aprovação no mercado (98,5% de aprovação), com baixas taxas de chargeback.
Para o PagSeguro, a aquisição da Wirecard Brasil trará diversas vantagens, a começar pelo volume de pagamento total incremental. Além disso, a combinação dos principais pontos fortes do PagSeguro (marca, portfólio completo de dispositivos POS, reconciliação de transações e PagBank) e do Wirecard Brasil (a conjunto dinâmico de soluções online que são complementares às soluções centrais do PagSeguro), nos permitirá oferecem opções de pagamento mais amplas e contas de pagamento digital de ponta a ponta integradas que são 100% omnichanal para milhões de clientes.


Matéria de Felipe Matos, publicada no Estadão de 15/07/19.
Na última terça-feira (10), o presidente da república sancionou a lei que cria a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), um órgão voltado para proteger as informações pessoais tratadas em território brasileiro, que vinha sendo bastante aguardado por startups e empresas do setor de tecnologia – em continuidade à implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Nesse artigo, que contou com a contribuição da advogada especializada no tema Raíssa Moura, trazemos uma análise dos principais pontos que afetam startups.
A criação do órgão havia sido prevista inicialmente LGPD, mas foi vetada pelo presidente, que sinalizou que o criaria futuramente através de um decreto. Posteriormente, a presidência propôs uma Medida Provisória (869/2018) com alguns pontos de regulamentação da lei, mas que, por sua natureza provisória, trazia inseguranças sobre a sua efetiva validade. Finalmente, desde semana passada, foi publicado um decreto no Diário Oficial da União, dando uma versão definitiva à regulamentação, com 14 vetos ao texto original, e determinação da criação da autoridade reguladora, além de mais algumas mudanças, com impacto significativo para as empresas.
O que muda para as startups?
O ambiente das startups de tecnologia e inovação é movido por enxergar oportunidades e criar soluções para problemas conhecidos e mesmo alguns que sequer haviam sido imaginado. Cada vez mais, essas empresas utilizam a ciência de dados em seus produtos e serviços como parte de suas soluções. A aprovação da LGPD, de fato, mudará bastante o modelo de operação dessas startups ao implicar umas série de processos de proteção dos dados, inclusive regulando quando será necessário o pedido de consentimento dos consumidores para coleta e tratamento desses dados.
Por isso mesmo, a complexidade da tarefa também é uma oportunidade valiosa para quem quer inovar na área. Agora, existe espaço para que novas soluções surjam implementando políticas de gestão e segurança de dados e consentimentos, colocando a questão da privacidade presente desde a concepção das soluções, o chamado privacy by design.
Ainda assim, muitos empreendedores estão com o medo do custo da implementação da LGPD, afinal, startups possuem poucos recursos no início e desenvolvem seus negócios. O desafio aqui será equilibrar a proteção dos dados pessoais e o direito fundamental à privacidade com o desenvolvimento econômico e a inovação, permitindo que as startups brasileiras mantenham seu crescimento exponencial em condições de competir com as gigantes da tecnologia do mercado digital internacional.
Neste sentido, é importante analisarmos as mudanças estabelecidas pela Lei 13.853, sancionada esta semana, e identificar quais os principais impactos para as startups, conforme veremos a seguir.
Principais benefícios da ANPD:
1. A instituição reguladora:
O Brasil contará com uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento da LGPD. Este é o passo fundamental para que o país finalmente tenha o mesmo nível de proteção de dados de países que saíram na frente e já implementaram suas leis. Esse ponto é importante, pois numa nua economia digital sem fronteiras, ocorre um grande fluxo internacional de dados. Por isso é preciso harmonizar regras sobre a gestão desses dados entre países – em especial com a GDPR (General Data Protection Regulation), que é a legislação européia que trata o tema.
Além do mais, a ANPD será responsável por auxiliar as empresas em seus processos de adequação ao instituir diretrizes claras sobre o tratamento de dados pessoais, promover o conhecimento das normas e políticas públicas sobre proteção de dados, elaborar estudos sobre práticas nacionais e internacionais de proteção de dados e auxiliar o entendimento sobre os procedimentos adequados para a elaboração dos relatórios de impacto à proteção de dados, dentre outras atividades que facilitarão a interpretação da lei.
2. O Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade:
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados terá um Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade formado por 23 membros, dentre eles representantes de instituições científicas, tecnológicas, de inovação e entidades empresariais relacionadas à área de tratamento de dados pessoais, que não terão poder decisório, mas poderão, entre outras atribuições, propor diretrizes estratégicas e fornecer subsídios para a elaboração da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade, bem como recomendar ações para a ANPD, além de elaborar estudos e realizar debates públicos sobre o tema.
Portanto, as startups poderão ter representação no Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade, garantindo que a ANPD cumpra com o disposto no art. 2º da LGPD, que institui como um dos fundamentos da lei o desenvolvimento econômico, tecnológico e a inovação.
3. Os termos de compromisso:
A ANDP poderá celebrar termos de compromisso com as empresas. Isto significa que há a possibilidade da ANPD fazer recomendações para que as startups se adequem à lei, firmando um termo de compromisso, que deverá ter seu cumprimento fiscalizado pela própria autoridade, sem que as punições previstas na LGPD inviabilizem negócios que estão em estágio inicial de desenvolvimento. Esta é a melhor forma da ANPD educar o mercado e alcançar o fim máximo da lei que é garantir a proteção dos indivíduos diante do tratamento dos seus dados pessoais identificados ou identificáveis.
4. Normas específicas e procedimentos simplificados para startups
Essa é uma das principais novidades do decreto para startups. O decreto prevê que ANPD poderá editar normas, orientações e procedimentos simplificados e diferenciados – inclusive quanto aos prazos – para que microempresas e empresas de pequeno porte, bem como “iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem startups ou empresas de inovação”, possam adequar-se a Lei.
Como a maioria dos modelos de negócio disruptivos utilizam dados pessoais em seus produtos e serviços, a sobrevivência das startups de tecnologia estava ameaçada pelo curto tempo de adequação e pelo alto custo de implementação das obrigações instituídas pela LGPD. Obrigações tais como contratar de um(a) profissional encarregado de dados (denominado DPO – Data Protection Officer pela GDPR) para comunicação entre o titular dos dados e a ANPD; assegurar o exercício dos direitos dos usuários, ou seja, das pessoas que são titulares dos dados pessoais; utilizar de tecnologia de ponta em segurança da informação; além de implementar um programa de processos de governança que permita comprovar que todas as medidas foram tomadas para proteger os dados pessoais coletados. Tudo isso implica em custos, muitas vezes demandando até mesmo consultorias especializadas, nem sempre acessíveis por empresas menores.
O mercado deve ficar atento aos próximos passos da ANPD e como serão implementados os procedimentos simplificados para startups.
5. Decisões Automatizadas
No texto original da LGPD os titulares dos dados teriam o direito de solicitar a revisão, por uma pessoa natural, de decisões tomadas unicamente com base no tratamento automatizado de dados pessoais que afetassem seus interesses, inclusive de decisões destinadas a definir o seu perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito, ou aspectos de sua personalidade. Isso significa o direito de pedir que um ser humano revise uma decisão tomada por um algoritmo para decidir questões como o limite do cartão de crédito ou sobre a exclusão de um perfil por ter ferido a política de uma rede social.
A necessidade dessa revisão ser realizada por agente humano foi retirada pela Medida Provisória 869/2018, mas reintroduzida no texto final da lei 13.853/19 que seguiu para a sanção presidencial. No entanto, o Presidente vetou o referido texto sob o argumento de que a proposta contraria o interesse público, pois inviabilizaria modelos de negócio atuais de muitas empresas, inclusive startups. Alegou ainda que haveria impacto na análise de risco de crédito e de novos modelos de negócios de instituições financeiras, com efeito negativo na oferta de crédito aos consumidores, com reflexos nos índices de inflação e na política monetária.
Este tem sido um dos pontos mais criticados pelos especialistas, que acreditam que a utilização de algoritmos nesses processos decisórios são pouco transparentes e podem ocasionar prejuízos discriminatórios aos titulares dos dados, que não terão mais o direito de solicitar a revisão da decisão por uma pessoa humana.
Embora os titulares dos dados continuem com o direito de solicitar a revisão das decisões automatizadas, estas revisões não precisarão necessariamente ser realizadas por agentes humanos, até porque no cenário de big data muitas vezes torna-se impossível reconstituir todos os passos das decisões algorítmicas.
Como os princípios que norteiam a LGPD são o espírito da lei, cabe às empresas, atendendo ao princípio da transparência, garantir aos titulares informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento de seus dados pessoais, observados os segredos comercial e industrial.
Ou seja, ao se deparar com uma solicitação de revisão, além de atendê-la, a empresa deverá também esclarecer as informações que lastrearam a decisão, quais as categorias dos dados utilizadas, como a informação foi utilizada para a tomada de decisão que afetou o titular e tudo o mais que for possível esclarecer, respeitando o segredo comercial e industrial.
Principais desafios:
1. O grau de autonomia e independência da ANPD
A ANPD foi instituída como parte da administração pública federal, integrante da Presidência da República. Isto quer dizer que o órgão não será independente e estará subordinado aos interesses do governo federal. A lei afirma que esta natureza da ANPD é transitória, pois em 2 anos o Poder Executivo poderá transformá-la em uma Autarquia da administração pública indireta, mas não há garantias uma vez que esta decisão será tomada a critério do Poder Executivo.
O grau de autonomia da ANPD é um ponto crucial na aceitação do Brasil como país adequado para o recebimento de dados oriundos do território europeu. Caso o Brasil não seja considerado um país com o mesmo nível de proteção de dados da UE, por conta da falta de independência de nossa autoridade de proteção de dados, as startups brasileiras que atuarem em território europeu terão que enfrentar todos os requisitos burocráticos previstos na GDPR para transferência internacional de dados, dificultando a inserção de soluções de startups brasileiras em mercados externos.
2. A obrigação de nomear um encarregado
A nova redação do art. 5º, VIII, da LGPD diz que tanto o controlador (responsável por determinar o tratamento dos dados) como o operador (responsável por tratar o dado em nome do controlador) deverão indicar um encarregado para atuar como canal de comunicação entre estes, os titulares dos dados e a ANPD.
Ter um profissional encarregado – o(a) DPO – seria, inicialmente, obrigação apenas da empresa controladora dos dados. No entanto, a redação atual ficou confusa ao incluir o operador como responsável por tal indicação, recaindo assim mais uma custosa obrigação sobre as startups que atuam tratando dados em nome de outras empresas, ainda que seja difícil determinar quando uma empresa atua exclusivamente como operadora de um dado pessoal.
Conclusão
Proteção de dados não é diferencial. Proteção de dados é um direito e é lei. Nunca se falou tanto sobre esse tema. Não por menos, após diversos escândalos de vazamento de dados por grandes empresas como Google, Facebook, e até mesmo seu uso com a finalidade de influenciar importantes processos democráticos, o mundo passou a estabelecer normas para proteção dos dados pessoais. A privacidade deixou de ser um tema de nicho e está nas discussões nas mais diversas áreas.
Entendemos que a LGPD não vai matar a inovação e nem é inimiga das startups. Pelo contrário, traz vantagens, como dar clareza sobre as regras do jogo, ao criar uma regulamentação comum que deve ser seguida por todas as empresas durante a coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados pessoais. Ela torna o Brasil apto a processar dados oriundos de países que exigem um nível de proteção de dados mais elevado e institui novas autorizações para o tratamento de dados pessoais, além do consentimento já previsto no Marco Civil da Internet.
O texto final da LGPD contemplou muitos dos pleitos levantados pelas entidades representativas de startups durante o processo legislativo, tornando sua aplicação mais flexível para estas empresas que fomentam boa parte do desenvolvimento econômico atual do país e permitem que o Brasil seja um celeiro de inovação para o mundo.
Além disso, obriga que todos criem soluções inovadoras para sobreviver. O novo panorama é promissor para aqueles que saírem na frente e investirem em segurança de dados e privacidade. Quem insistir em se manter agarrado a paradigmas ultrapassados, ficará para trás. No fim, é para toda a sociedade que a lei será aplicada, seja você pessoa física ou jurídica, a segurança dos seus dados e dos dados pessoais que você utiliza para fins econômicos são também sua responsabilidade.
*Com colaboração de Raíssa Moura, advogada corporativa, head of legal & privacy counsel da In Loco, membro da IAPP – International Association of Privacy Professionals, co-fundadora do Recife Legal Hackers. Formada em Legal Law Master em Direito Corporativo pelo IBMEC e especialização em Gestão de Departamentos Jurídicos pelo Insper. Certificada pela EXIN através do exame PDPE – Privacy and Data Protection Essentials.