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Bacen pode regulamentar a “trava bancária”

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Reproduzo abaixo a matéria da Aline Bronzati, publicada pela Broadcast hoje, dia 12/12/18:

APÓS “REJEIÇÃO” DE GIGANTES, BC VAI REGULAMENTAR TRAVA BANCÁRIA E SUBADQUIRÊNCIA

São Paulo, 12/12/2018 – O Banco Central prepara a publicação de um normativo, nos próximos dias, para regulamentar a chamada trava bancária, por meio do Sistema de Controle de Garantias (SCG). E a medida pode abranger também as subadquirentes – empresas que atuam como uma ponte entre os lojistas e as grandes empresas de maquininhas, conforme apurou o Broadcast. Uma reunião foi realizada na última segunda-feira, dia 10, entre técnicos do regulador e integrantes do mercado de cartões, por meio da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), para debater o assunto.

A regulamentação do SCG ocorre em meio a uma disputa entre bancos e adquirentes não associadas a instituições financeiras pelos recebíveis do cartão de crédito. O objetivo do BC, que acaba de concluir uma consulta pública sobre recebíveis de cartão, é constituir um sistema de registro dessas operações para que as mesmas possam ser usadas como garantias em linhas de crédito. Assim, só ficarão condicionados a uma determinada instituição financeira os montantes atrelados ao saldo devedor do lojista e não mais a totalidade dos recebíveis, como acontece atualmente.

Desde o início do ano, o mercado tem feito sugestões ao órgão. Agora, o BC aguarda um posicionamento do setor, conforme uma fonte, após a conferência realizada ontem, dia 11. A expectativa, diz outra fonte, é de que a regulamentação da trava bancária esteja na pauta da próxima reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), agendada para a semana que vem, no dia 20 de dezembro, a última deste ano.

A regulamentação é aguardada há tempos pelo setor e ocorre após pesos pesados como Cielo, de Bradesco e Banco do Brasil, Rede, do Itaú Unibanco, e o banco Safra – embora sua adquirente tivesse permanecido – anunciarem a saída do SCG, uma vez que os players menores não aderiram.

Na prática, o sistema atual viabiliza a chamada trava de domicílio bancário, ao identificar os recebíveis dos cartões de crédito sujeitos ao bloqueio junto às credenciadoras e bancos por terem sido antecipados em operações de crédito pelos lojistas. Entre os grandes players, somente a Getnet, do Santander Brasil, permaneceu no SCG enquanto o regulador não editava norma específica para o tema. Os grandes resolveram sair sob a justificativa de concorrer em pé de igualdade com os menores adquirentes, uma vez que os mesmos não aderiram ao sistema.

Com a regulamentação da trava bancária por parte do BC, ainda que por um período de transição, uma vez que a consulta pública sobre o tema ainda não teve um desfecho, os players que anunciaram o desembarque do sistema devem retornar, agora para a nova versão, uma vez que terão de cumprir as regras do regulador. Dentre as medidas que podem ser editadas, conforme fontes ouvidas pelo Broadcast, estão a manutenção da trava bancária apenas no montante até o saldo devedor do comerciante, liberando, assim, as demais operações. Trata-se de mais um movimento para incentivar a concorrência no setor de cartões. Essa é, inclusive, uma das críticas dos novos entrantes não ligados a bancos que questionam o bloqueio total, alegando que esse formato dificulta a concorrência com as adquirentes associadas a grandes bancos.

“O foco é respeitar a trava (bancária) até o saldo devedor, mas gerar concorrência no setor”, explica uma fonte.

Outra medida que pode vir na regulamentação do Banco Central diz respeito a preço. Uma fonte explica que uma possibilidade é a proibição para os credenciadores anteciparem recebíveis de clientes com taxas acima das já praticadas em operações do saldo devedor, garantindo aos comerciantes condições igualitárias às contratadas no passado.

O Banco Central recebeu sugestões sobre o tema no âmbito da consulta pública 68/2018 até o fim de novembro. Representantes do órgão regulador teriam sinalizado ao mercado de cartões, porém, que o normativo final deve ser publicado somente no primeiro trimestre do ano que vem, ainda na gestão do atual presidente do BC, Ilan Goldfajn.

Risco endereçado
No caso das subadquirentes, o radar do regulador está nas empresas que movimentam até R$ 500 milhões ano, segundo fonte. Isso porque os players com volume financeiro acima desse patamar já estão sob os olhos do BC. Com a regulamentação a ser editada pelo órgão, a expectativa, dizem fontes, é de que as subadquirentes passem a ser responsabilidade das próprias adquirentes as quais estão plugadas. Ou seja, no caso de alguma empresas quebrar, o pagamento dos recebíveis assumidos passam a ser obrigação da credenciadora.

“Ao serem responsáveis pelas subadquirentes, as adquirentes tendem a ser mais criteriosas”, opina um executivo do mercado, na condição de anonimato.

Ao regulamentar as subadquirentes menores, o BC visa a endereçar um pleito antigo do mercado de cartões, que temia um risco sistêmico diante da possível quebra dessas empresas e ainda a atuação em segmentos ilícitos. A preocupação não é em vão. Estimativas indicam a existência de mais de 200 subadquirentes no Brasil. A maioria delas movimenta menos de R$ 500 milhões ao ano, ou seja, estarão na mira da nova regulação do BC.

Procurado, o Banco Central informou que não tem comentários a fazer sobre o tema. A Abecs também não se manifestou. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) também não comentou. (Aline Bronzati – aline.bronzati@estadao.com)

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Payments – o livro em Inglês

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Esta é a versão em Inglês do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira – a evolução dos meios de pagamento”, um eBook disponível na Amazon.

Além da versão em Inglês “Payments”, também está disponível o eBook do original em Português.

 

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Cielo abandona sistema de trava de recebível

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Matéria de Vanessa Adachi e Talita Moreira, publicada no Valor Econômico de 4/10, sob o título “Cielo abandona sistema de trava de recebíveis”, evidencia parte das dificuldades concorrenciais na indústria de pagamentos, em especial no setor de credenciamento. Veja: O lento progresso da competitividade na indústria de meios de pagamento

Até julho de 2010, duas Credenciadoras (Cielo e Redecard) dominavam o mercado, um duopólio, já que a Cielo tinha a exclusividade para processar transações com cartões Visa e a Redecard era a única Credenciadora MasterCard (GetNet estava iniciando).

Naquela época, a trava de domicilio bancário era simples e fácil de ser aplicada: O lojista tomava um empréstimo no banco, dando em garantia os recebíveis das transações de cartões de crédito; a Credenciadora recebia a informação do banco e “travava” o domicílio bancário do lojista naquele banco. Em outras palavras, se o lojista tentasse mudar de banco a Credenciadora não permitia, como não havia outra Credenciadora daquela bandeira, que pudesse processar suas transações, o lojista cumpria seu contrato ou, de forma extrema, deixava de aceitar cartões daquela bandeira.

Com a abertura de mercado e entrada de outras Credenciadoras, não restou alternativa aos bancos a não ser construir um acordo para que todos participantes respeitassem a trava de domicílio bancário e, em 1 de julho de 2010, lançaram o Sistema de Controle de Garantias – SCG.

Entretanto, muitas das novas Credenciadoras não controladas por bancos ou ligadas a bancos que NÃO faziam parte do SCG, continuaram atuando livremente no mercado sem a obrigação de respeitar a trava de domicílio bancário e, obtiveram êxito atraindo lojistas e crescendo em participação de mercado.

Entretanto, a gota d’água talvez tenha sido a decisão do Safra de se retirar do acordo, deixando os bancos preocupados.

Na matéria, o Valor informa que “O BC tem assumido a postura de não interferir diretamente no tema, sob o argumento de que o SCG é um sistema privado e que as partes precisam chegar a um acordo. O órgão regulador já decidiu que o controle das garantias passará a ser feito por meio de uma registradora de recebíveis. Em setembro, colocou em consulta pública uma proposta de regulamentação sobre isso.”

Vamos acompanhar os movimentos, mas uma coisa é certa, a indústria de meios de pagamento, que está em constante evolução, promete mudanças significativas para os próximos anos. Feliz por estar vivendo esse processo, afinal, viver a ruptura do velho e o nascimento do novo é uma das coisas mais fantásticas de se testemunhar.

 

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A privatização do dinheiro, silenciosa e radical

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Um grande amigo insiste que devemos sempre ouvir opiniões contraria e com isso melhorar nosso próprio julgamento e decisão. Concordo!

Então divido com vocês o artigo é de Brett Scott, ex-corretor financeiro e autor de “O Guia Herege para as Finanças Globais: Hackeando o Futuro do Dinheiro” (Pluto Press), publicado por Outras Palavras, 07-03-2017. A tradução é de Inês Castilho e Antonio Martins.

Eis o artigo.

Recentemente me vi encarando uma máquina de venda num corredor tranquilo da Universidade de Tecnologia Delft, na Holanda. Estava ali para fazer uma exposição na conferência “Reiventar o Dinheiro”, mas, sofrendo de jetlag e exaustão, fui à procura de uma Coca-Cola. A máquina tinha uma pequena interface digital construída por uma empresa holandesa denominada Payter. Nela estava impressa um aviso: “Apenas pagamento sem contato”. Introduzi meu cartão bancário, mas, ao invés de receber uma Coca, recebi a mensagem: “Cartão inválido”. Nem todos os cartões são iguais, ainda que você consiga ter um – e nem todo mundo consegue.

No imaginário de um economista, num mercado livre ideal indivíduos racionais fazem contratos de troca monetária em benefício mútuo. Uma parte – denominada ‘comprador’ – passa células de dinheiro para outra parte – denominada ‘vendedor’ -, que por sua vez lhe entrega bens ou serviços reais. De modo que aqui estou eu, um indivíduo cansado procurando racionalmente por açúcar. O mercado está diante de mim, há bebidas gasosas empilhadas numa prateleira, numa máquina de venda que age em nome do vendedor de Coca-Cola. É um aparato mecânico obediente que se baseia num simples contrato comercial: se você dá dinheiro para meu proprietário, eu lhe dou uma Coca. Por que razão, então, esse diabo de máquina não realiza esse contrato comigo? Isso é um fracasso comercial.

Para compreender esse fracasso, precisamos primeiro entender que vivemos com dois tipos de dinheiro. ‘Dinheiro vivo’ é o nome dado ao nosso sistema de notas físicas que são passadas adiante manualmente para fechar transações. Essa primeira modalidade de dinheiro é pública. Podemos chamá-la de ‘dinheiro do Estado’. De fato, vivemos a experiência do dinheiro vivo como algo de uma utilidade pública que está dada. Assim como outras utilidades públicas, ele pode passar a sensação de sujeira e não é nada sexy – tem algumas deficiências e aberturas para a corrupção – mas é, em princípio, de acesso aberto. Pode ser passado pelo mais rico diretamente ao mais pobre da sociedade, ou vice-versa.

Em paralelo a ele, temos um sistema de dinheiro digital, no qual as nossas notas de dinheiro vivo tomam a forma de “objeto de dados”, registrados numa base de dados por uma autoridade – um banco –, ao qual foi concedido o poder de “manter sua contagem” para nós. Referimo-nos a isso como nossa conta bancária e, em vez de transportar esse dinheiro fisicamente, nós o “movemos” através de mensagens a nossos bancos – via celular ou internet, por exemplo – pedindo que editem os dados. O dinheiro “vai” para o proprietário do seu apartamento se os respectivos bancos, o seu e o dele, concordarem em editar suas contas, reduzindo a contagem da sua conta e aumentando a do seu senhorio.

Essa segunda modalidade de dinheiro é essencialmente privada, e funciona através de uma infraestrutura controlada por bancos comerciais em busca de lucro, hospedados por intermediários de pagamento privados – como Visa e Mastercard – que trabalham com eles. Os registros de dados de sua conta bancária não são de dinheiro do Estado. Sua conta bancária registra, ao invés disso, promessas emitidas por seu banco privado para você, e que lhe prometem, se desejar, acesso ao dinheiro do Estado. Ter “500 libras” em sua conta no banco Barclays significa na verdade que o “Barclays PLC promete a você o acesso a 500 libras”. A rede de caixas automáticos é o principal meio pelo qual você converte essas promessas de bancos privados – “depósitos” – no dinheiro do Estado que foi prometido para você. O sistema digital de pagamentos, por outro lado, é um modo de transferir – ou reassegurar – entre nós essas promessas bancárias.

Esse duplo sistema nos permite comprar pizza num restaurante com dinheiro digital bancário privado, mas podendo sempre recorrer ao dinheiro público do Estadoretirado de um caixa eletrônico, se o sistema de cartão de débito do proprietário sofrer qualquer acidente. Essa escolha parece justa. Conforme o momento, podemos achar mais útil esta ou aquela modalidade. Ao mesmo tempo em que você lê isso, contudo, arquitetos de uma “sociedade sem dinheiro vivo” estão trabalhando para acabar com a opção de recorrer ao dinheiro do Estado. Eles desejam privatizar completamente a movimentação de células de dinheiro, empurrando os bancos e os intermediários de pagamentos privados para todas as interações entre compradores e vendedores.

A sociedade sem dinheiro vivo – que deveria ser denominada, mais precisamente, de sociedade de pagamentos bancários – é com frequência apresentada como inevitável, resultado do “progresso natural”. Esta alegação é tanto ingênua quanto desonesta. Qualquer sociedade futura sem dinheiro vivo e com pagamento bancário será resultado de uma guerra deliberada ao dinheiro, movida pela aliança de três grupos de elite com profundos interesses em vê-la emergir.

O primeiro grupo é o do setor bancário, que controla o sistema fundamental de dinheiro digital fiat com o qual nosso sistema público de dinheiro vivo compete atualmente. Os bancos se irritam porque as pessoas usam de fato o direito de converter seus depósitos bancários em dinheiro do Estado. Isso os força a manter funcionando a rede de caixas eletrônicos. A sociedade sem dinheiro vivo, a seus olhos, é uma utopia em que o dinheiro não pode sair – ou mesmo existir – fora do sistema bancário, mas apenas ser transferido de banco para banco.

O segundo é o da indústria privada de pagamentos – os Visa e Mastercard da vida – que lucram ao manter a infraestrutura que serve ao sistema bancário, racionalizando o processo pelo qual transferimos dinheiro digital entre contas bancárias. Essa indústria tem boas razões para pressionar o sistema para remover a opção de dinheiro vivo. Transações em dinheiro vivo são pessoa-a-pessoa, não requerem intermediários, e são portanto transações em que a Visa não pode meter a mão.

A terceira – talvez ironicamente – é a do Estado, e de entidades quase-Estado tais como bancos centrais. Elas estão unidas ao setor financeiro para forçar todo o mundo a comprar nessa sociedade de pagamentos bancários privatizados, por razões de monitoramento e controle. O sistema de dinheiro bancário forma um panóptico que possibilita – em teoria – que todas as transações, boas ou más, sejam gravadas, espionadas e analisadas. Além do mais, a natureza “off line” do dinheiro vivo significa que ele não pode ser alterado ou congelado remotamente. Isso atrapalha os bancos centrais na implementação de políticas monetárias “inovadoras”, tais como configurar taxas negativas de juros, que lentamente reduzem os depósitos, para coagir as pessoas a gastar.

Os governos não declaram, de fato, essa agenda monetária. Ela não é suficientemente cativante. Em vez disso, as armas-chave usadas pela aliança são táticas mais clássicas, de choque e pavor. Dinheiro vivo é usado por criminosos! As pessoas compram drogas como dinheiro vivo! É a economia paralela! Ela sustenta a evasão fiscal! A capacidade de apresentar controle como proteção baseia-se em constantes chamadas para imaginar um inimigo externo, o terrorista ou a máfia. Esses gritos de pânico moral contrastam com as publicidades brilhantes e sorridentes do pagamento digital. A sociedade sem dinheiro vivo emerge como um nascer de sol futurista, que nos limpa dessas perigosas notas sujas com raios de salvação higiênica, conveniente, digital.

Apoiando essa aliança central está um corpo auxiliar de acadêmicos, economistas e futuristas do establishment, que vivem em subúrbios frondosos, voam de classe executiva para fazer palestras em conferências de tecnologia, atendidos por um bando de bajuladores da mídia e jornalistas de inovação que pregam o evangelho da ausência de dinheiro. “The Curse of Cash” (A Maldição do Dinheiro Vivo, em tradução livre), por Kenneth Rogoff, professor de economia de Harvard, foi indicado ao prêmio do Ano pelo Financial Times e o McKinsey Business Book, sem dúvida acompanhado de convites para conferências patrocinadas pela indústria financeira em hotéis cinco estrelas.

O terror psicológico está funcionando. A Holanda – onde encarei minha máquina de vender produtos – tornou-se uma frente chave na guerra contra o dinheiro vivo. Aqui o dinheiro está passando a ser visto como um estrangeiro ilegal em fuga, cada vez mais excluído da economia formal, atraindo olhares de suspeita de vendedores. Avisos dizem ‘Apenas cartão’. Quem é o Cartão? O Cartão é um socialite glamuroso, bem-vindo às lojas. O Cartão é superior. Observe os anúncios dos bancos mostrando seus acessórios para o Cartão. Ninguém está fazendo acessórios para o Dinheiro Vivo.

A linha de frente dessa aliança está agora se infiltrando nos países mais pobres. Na Índia, a recente “desmonetização” foi uma retração brutal das notas de rúpia, de um dia para o outro, feita pelo primeiro ministro Narendra Modi para disciplinar a ‘economia paralela’. Foi um exercício para chocar os indianos mais pobres, que dependem de dinheiro vivo e com frequência não têm acesso a contas bancárias. Lançada originalmente, em termos populares, como uma tentativa de barrar a corrupção, a mensagem foi depois ironicamente alterada para transformar a ausência de dinheiro vivo numa forma de criar progresso econômico para os pobres da Índia.

Essa mensagem recebe credenciais humanitárias da Better Than Cash Alliance (Aliança Melhor do que Dinheiro Vivo, em tradução livre), que promove ‘a mudança de pagamentos em dinheiro para pagamentos digitais para reduzir a pobreza e levar ao crescimento inclusivo’, e que tem como parceiros-chave a Visa, o Mastercard e a Citi Foundation. A ação de Modi foi também precedida pelo início do programa Cashless Catalyst (Catalisador da Ausência de Dinheiro Vivo, em tradução livre), “uma aliança entre o governo da Índia e a Usaid para expandir os pagamentos digitais na Índia”, apoiado por um panóptico de empresas de pagamento eletrônico. Essas alianças oficiais de Estados, corporações e acadêmicos são impressionantes. Na Índia, elites urbanas endinheiradas que aplaudiram as ações de Modi podem, com certeza, justificar isso apontando o livro de Rogoff indicado pelo Financial Times.

Rogoff, contudo, pareceu assustado e escreveu artigos afirmando que estava defendendo acabar com o dinheiro vivo apenas de economias avançadas, com sistemas bancários avançados. Ó céus. O economista superinfluente e politicamente poderoso de Harvard lança um livro antidinheiro e fica preocupado quando países mais pobres o levam a sério?

A tentativa de apresentar a sociedade sem dinheiro vivo e com pagamentos bancários como um benefício para o povo marginalizado é no mínimo débil. Se você é um habitante vulnerável da economia informal, um prostituto fora da rede ou um trabalhador precário de baixa renda, bancos e intermediários de pagamentos têm pouco interesse em dar prioridade a você. A sociedade de pagamentos bancários não irá processar a atividade que acontece nas fendas periféricas do sistema em que se baseia seu meio de subsistência. Na verdade, a intenção é fechar esses espaços. Isso pode ser caracterizado como “progresso”, mas da mesma forma podemos dizer que você está sendo empurrado para fora da economia numa ação de lavagem econômica. A pretexto de destruir a “economia paralela”, a subclasse, os invisíveis, os excêntricos e os resistentes serão coercitivamente encurralados nas mãos do sistema Estado-corporação.

Nâo tenho nenhum amor especial pelo dinheiro. Não me importo realmente com os devaneios nostálgicos sobre a bela estética das notas de dinheiro, sua textura ou importância cultural num sistema de mercado – ainda que compreenda como isso é importante para muitos. Também não me comovo com a história pedante do dinheiro, se quem lançou as primeiras notas foi a dinastia chinesa de Tang ou de Song. O que me preocupa é a insensibilidade insondável da máquina de vendas, esta mesma que acaba de bloquera minha entrada no livre comércio.

As antigas máquinas de venda automática não eram assim. Elas tinham um pequeno orifício para moedas, que permitiam até a um mendigo em farrapos converter sua renda mínima em sustento. Olhe a máquina atual de perto. São, na verdade, duas. O aparelho Payter fundido em seu corpo não trabalha para o vendedor de cola. Trabalha para as corporações de pagamento. Você sabe, o vendedor de cola tem uma conta bancária, mas há muitas pessoas, com muitas contas em muitos bancos, aproximando-se da máquina de vendas. Estes bancos precisam identificar qual de seus correntistas quer transferir dinheiro – e quanto – para que conta, de que outro banco. O aparelho está lá para entregar minhas informações de cartão às linhas de transmissão do sistema de pagamentos do cartão. Lá, elas serão – em teoria, e mediante uma pequena tarifa – roteadas para facilitar a transferência de dados de dinheiro de minha conta para a conta do vendedor.

Já não se trata de um acordo entre eu e o vendedor. Estou agora lidando com um complexo de terceiras partes desconhecidas, de atravessadores de dinheiro em busca de lucro, que se colocam entre nós para agir como facilitadores do fluxo de dinheiro, mas também como potenciais controladores. Se um controlador não quer negociar comigo, eu não posso fazer negócios com o vendedor. Ele tem a capacidade de confundir, monitorar ou estabelecer condições sobre aquele rito crucial e glorioso do capitalismo – a transferência de dinheiro, como contrapartida à transferência de bens. Este aparelho inócuo exala indiferença mecânica, obedecendo apenas a patrões invisíveis e distantes, executando algoritmos invisíveis, em caixas pretas invisíveis que não gostam de mim.

Se optamos por nos referir aos pagamentos bancários como “sem dinheiro”, então deveríamos nos referir aos pagamentos em dinheiro como “sem bancos”. Porque é isso que o dinheiro físico é, além de ser, hoje, a única coisa que se interpõe entre nós e um sistema monetário completamente privatizado.

Como no caso das privatizações anteriores, ouviremos os “especialistas” apropriados da TV argumentar que se as corporações de pagamento digital não trabalharem em favor do público, serão superadas por sistemas privados melhores. Muito bem.

O máximo que podemos esperar, portanto, é um oligopólio benigno de corporações de pagamento, altament exposto às aspirações geopolíticas dos Estados em que estão instaladas. O Estado chinês estimulou a criação da União de Pagamentos da China (China UnionPay) precisamente porque não quer as megacorporações norte-americanas instaladas como controladoras das transações feitas por cidadãos chineses.

Ao construir uma defesa, há sempre duas opções. Ou você bloqueia um ataque, ou lança um contra-ataque estratégico, muitas vezes expresso na fórmula segundo a qual “o ataque é a melhor defesa”.

Pela primeira estratégia, você concentra-se em afirmar que os argumentos contra o dinheiro são exagerados, imprecisos ou incompletos. Exageros e imprecisões estão presentes nas tiradas contra o dinheiro, mas a incompletude é crucial. Por exemplo, digamos que você concorde que os criminosos preferem dinheiro. Isso significa que “deveríamos abolir o dinheiro”? Banir tudo o que os criminosos preferem produziria quase certamente, para todos, uma existência constrita e sufocante. Parabéns, acabamos com o crime, mas às custas de liquidar também a privacidade e o espaço livre para a criação. O fim do crime vem acompanhado por um Estado de vigilância insuportável, sempre presente ao seu lado, imiscuir-se  em seus momentos mais íntimos, tratando-o como uma criancinha em quem não se pode confiar. Desfrute esta vida.

O segundo modo de defesa ofensiva envolve atacar a alternativa proposta. Afirmamos que a nova sociedade de pagamentos bancários não resolve velhos problemas – o crime torna-se digital e sua conta é sequestrada com mais facilidade que sua carteira era furtada. Ainda pior: esta sociedade introduz uma vasta gama de novos problemas não mencionados de forma explícita no material de marketing do Mastercard. Vamos revelar o que está escrito em tinta invisível: alguém mencionou que, ao excluir a possibilidade de fazer transações com dinheiro tornou-se possível rastrear tudo o que você faz e reprimi-lo? Parabéns, quem não deve, não teme!

Sim, também posso usar táticas de medo. Posso argumentar que a extinção do dinheiro nos aproxima do mais poderoso e automatizado sistema de controle financeiro pelos Estados e corporações que já existiu. Muito poucas pessoas parecem compreender ou se importar com isso. Como um sapo fervido aos poucos, não parecemos nos das conta do processo que nos aprisiona na dependência diária de uma infraestrutura alienadora e opaca, capaz de nos tornar cada vez mais subservientes a processos burocráticos que não enxergamos.

Talvez eu precise acionar o choque e pavor. Talvez eu possa martelar um argumento sobre como, numa sociedade sem dinheiro, os terroristas podem atingir as redes de transmissão elétrica para provocar caos econômico em regiões inteiras.

Não. Minha principal defesa do dinheiro público será simples e intuitiva. Ainda que analógico e não sexy, ele é resiliente. É fácil de usar. Quase não requer estrutura sofisticada. Não está sujeito a falhas algorítmicas de programadores incompetentes. E não deixa rastros de dados que serão usados para projetar, em nossa existência quotidiana, as aspirações e neuroses de tecnocratas sem rostos e analistas de negócios. Ele vem com criminosos – mas, atenção, é o velho capitalismo, e não a versão do sistema na fase de vigilância total descrita no Minority Report. E pergunte a si mesmo: você realmente quer viver neste tipo de sociedade sem a chance de comprar drogas? Acredite, você precisará de algo para amenizar as dores existenciais.

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A concorrência no mercado de pagamentos

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Iniciamos este blog em setembro de 2014 com um texto intitulado: O LENTO PROGRESSO DA COMPETITIVIDADE NA INDÚSTRIA DE MEIOS DE PAGAMENTO e de lá pra cá muito coisa mudou. Entretanto, os novos entrantes no setor de credenciamento ainda se sentem sufocados pelo poder dos bancos. Temos um lenta batalha sendo travada e vez ou outra vamos mostrando mais detalhes desse negócio.

Veja matéria publicada pelo Valor, sob o título: Com atuação em todas pontas, bancos limitam competição em cartões

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Rômulo Dias: Oportunidade única

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Mas é claro que concordo com o Rômulo! Verdade que quando mudamos de lado passamos a defender outros pontos de vista….faz parte da vida executiva.

Entretanto, note a clareza do texto publicado pela Folha sob o título:  Rômulo Dias: Oportunidade única. Quando se defende algo legítimo é sempre mais fácil de explicar, indo diretamente ao ponto, sem rodeios. Mas é necessário ouvir a outra parte, vamos aguardar.

Reproduzimos o texto abaixo:

Rômulo Dias

Trabalho há décadas em grandes empresas do mercado financeiro. Há três meses estou no Grupo UOL, participando da extraordinária experiência da fintech PagSeguro.

As fintechs têm promovido no Brasil uma verdadeira inclusão financeira. Ao menos 6 milhões de micro, pequenos e médios empreendedores, muitos sem conta em banco, agora podem oferecer aos seus clientes vendas pela internet ou por maquininhas de cartão.

O “milagre” é simples: soluções tecnológicas permitiram baratear radicalmente o custo das transações e do sistema como um todo. Dessa forma, estão promovendo competição num mercado historicamente concentrado. As fintechs oferecem contas digitais sem custos e sem tarifas por transação.

Essa enorme inclusão financeira está sendo feita pela internet e pelas novas tecnologias. Mas isso é só o começo: as grandes inovações estão por vir. Na China, por exemplo, a maior parte das transações já é feita por meio do celular e de uma conta digital. As transações com cartão de plástico e com maquininhas estão desaparecendo.

No Brasil, a lei em vigor (12.865/2013) estimula a inovação e a diversidade de formas de pagamentos. Entre os novos modelos criados pelas empresas de tecnologia que estão ganhando tração mundo afora vale destacar o QR code (igual ao chinês) e a transferência P2P (pessoa para pessoa).

Esses novos modelos desafiam o statu quo. Exatamente por isso, barateiam o custo de uma transação, trazendo benefícios para a sociedade e dando inédito impulso à competição em um mercado historicamente concentrado. 

Somos favoráveis a uma maior concorrência e ao livre mercado. Clientes, sejam lojistas ou pessoas físicas, devem ter a liberdade de escolher em cardápio amplo e variado de opções. O cliente decide; ele deveria ser sempre o centro de tudo.

No entanto, a consulta pública 63 do Banco Central, da maneira como está sendo encaminhada, pode comprometer a diversidade das novas tecnologias, com consequências danosas à competição esperada e prometida pelas fintechs.

Pela consulta, essas empresas deverão se submeter às regras das bandeiras (como Visa e Mastercard), por simples adesão, sem a possibilidade de livre negociação dos contratos. Mas o mais grave é que a proposta obriga as fintechs a fazer a liquidação de qualquer transação dentro de câmara controlada pela Febraban (entidade que representa os bancos). Hoje, os cinco maiores bancos representam ao redor de 90% do mercado financeiro.

Essa liquidação em câmara da Febraban vai aumentar o custo da transação para as fintechs e seus clientes, além de impedir o recebimento pelo lojista no mesmo dia, inibindo a competição e expondo a carteira de clientes dos novos entrantes.

O Banco Central não deveria secundar tal expediente, num mercado cuja concentração atinge 90%. A justificativa de risco sistêmico por si só não é argumento válido para obrigar as fintechs a mudarem sua forma de atuar, reduzindo, assim, a concorrência. Não há que se falar em assimetria regulatória se a participação delas​ no mercado brasileiro é insignificante.

O país não pode perder a oportunidade única e histórica que as novas tecnologias oferecem para promover a competição e democratizar o sistema financeiro, fazendo a inclusão daqueles que sempre estiveram à margem do sistema.

A sociedade brasileira não pode permitir que a regulação atrapalhe o trabalho dos entrantes e sirva de barreira de entrada, sob risco de diminuir a competição e dificultar a inclusão de milhões de pequenos empreendedores que estavam fora desse mercado.