Resposta dos fundos de Venture Capital ao Corona – Colink
Voltar
Resposta dos fundos de Venture Capital ao Corona

Autor: Edson Santos.

Data: 27 de março de 2020

   

Nesta época de crise mundial, causada pelo coronavírus, vivemos uma situação inusitada e bem complicada para os investidores no mercado de capitais. As bolsas de valores do mundo inteiro vêm perdendo valor e gerando pânico entre os investidores.

Não se trata apenas do mercado de ações, perdas semelhantes aconteceram em praticamente todos os ativos. Há uma grande aversão ao risco em praticamente todos mercados, incluindo crypto moedas.

Entretanto, o mercado de Venture Capital não parece estar sofrendo nenhum pânico. Por quê?

Para responder a essa e outras 12 perguntas, conversamos com dois especialistas no assunto, meu sócio e amigo Kadu Guillaume, fundador e Managing Partner da Confrapar e, o amigo e mentor Edson Rigonatti, fundador e sócio da Astella Investimentos.

1) Venho acompanhando o mercado de Venture Capital há sete anos e aprendi que, em geral, esse mercado não parece ser afetado pelo dia-a-dia da economia, política e etc. Por que essa classe de ativos demostra certa imunidade ao humor do mercado?

Kadu: O mercado de Venture Capital é bem menos líquido que a bolsa. As empresas típicas de VC trazem uma inovação para resolver um problema de mercado, e muitas delas não dependem tanto do crescimento do PIB nem são impactadas pela volatilidade das bolsas.

Rigonatti: Realmente, Venture Capital tem uma natureza anticíclica. A gente nota que ao longo da história grandes empresas são criadas nos piores momentos macro possíveis. Os empreendedores, por natureza, não esperam o governo para empreender, é justamente nessas horas de grandes problemas e desafios que quem é empreendedor enxerga grandes oportunidades.  

2) Você diz que os fatores macroeconômicos e políticos não influenciam a sua decisão. Entretanto, política monetária (exemplo, juros baixos) e fiscal (exemplo, reforma tributária) não interferem diretamente na liquidez e competitividade das empresas?

Rigonatti: Bom, não é que os fatores macros não nos afetam, não afetam quando os empreendedores estão criando suas empresas, mas como fundo, como gestora, a gente depende do humor dos investidores, que por sua vez são muito impactados pelos fatores macro. Os momentos de captação dos fundos estão altamente correlacionados ao que acontece na macroeconomia. A questão é que, uma vez que consegue captar o fundo, você tem dez anos de paz, de tranquilidade, relativa à estabilidade para poder fazer os investimentos e decisões de desinvestimentos. A gente não tem que ficar preocupado se o cliente vai tirar ou não vai tirar dinheiro do fundo.

Kadu: No médio e longo prazo, sim, os acontecimentos políticos e econômicos vão influenciar as empresas e principalmente os fundos. Mas, diferentemente de empresas listadas, há tempo para se preparar e se organizar para o novo cenário.

3) Ao decidir em qual empresa investir, quais são as suas principais preocupações? Ou seja, quais são os principais fatores de risco que são considerados na avaliação?

Kadu: No nosso caso, como estamos em estágios mais maduros de empresa, além dos riscos tradicionais (mercado, produto, equipe), nos preocupamos também com a resiliência da empresa, geração potencial de caixa (margem bruta), e diversificação de receitas através de internacionalização.

Rigonatti: São quatro principais fatores de risco nessa jornada. Cerca de 25% das empresas dão errado por questões relacionadas ao time. Briga entre sócios, não ter todas as capacitações necessárias dentro do time, falta de experiência, são alguns exemplos. Ou seja, gente representam 25% do risco. Outros 25% do risco vem do produto, será que as pessoas irão usar? Vão gostar? Será que muita gente vai gostar? Ou seja, a capacidade da empresa “ler o mercado”. 25% são relacionados a dosagem: falta de dinheiro mata, muito dinheiro mata. Caixa é um importante fator de risco de uma startup. Os últimos 25% está relacionado ao potencial de crescimento organizacional. Uma empresa quando começa é uma família, depois vira uma tribo, uma vila, uma cidade e, uma nação. Se a empresa e o empreendedor não são capazes de maturar, de se tornar coisas diferentes ao longo do tempo, dá errado. São essas quatro coisas que procuramos olhar, muitas delas são relativamente fáceis, você vê se alguém tem ou não experiência, outras são mais difíceis. Então é assim que a gente procura dosar talento e sorte ao longo dessa jornada.

4) Você pode explicar as diversas fases de investimento em uma startup? Anjo, seed, serie A, etc.

Rigonatti: Quanto as fases, a gente brinca que a jornada de um empreendedor é semelhante a jornada de um alpinista que deseja chegar no pico do monte Everest. Você tem que chegar no aeroporto, que é o investimento anjo; “base camp” é seed; P1 é serie A, seria B, serie C, serie D e, serie E você está lá no topo. Cada uma dessas fases tem desafios diferentes, a gente diz que você tem que tirar um risco por vez. Na primeira fase você está tirando o risco do produto, na segunda fase está tirando o risco do “go to market”, na terceira está tirando o risco de entrega em escala, na quarta fase você está tirando o risco de talento em escala e, dali pra frente vira risco de governança.

Kadu: Sim, nós estamos focados na series B e C, onde a empresa já possui um product Market fit, e já não apresenta um risco de produto. Em contrapartida gostamos de tomar o risco de crescimento das empresas.

5) O empreendedorismo está evoluindo rapidamente no Brasil, a quantidade de startups e, principalmente, de empreendedores com mais experiência é uma realidade. O que dizer sobre a maturidade do nosso mercado de VC?

Kadu: Para nós que estamos há mais de 10 anos no mercado, a diferença é absurda. Todos os players se profissionalizaram. Os fundos, os provedores de serviço, os advogados e principalmente os empreendedores.  A qualidade dos pitches que recebemos hoje nem se compara ao que recebíamos há 10 anos.

Rigonatti: O mercado brasileiro mudou de patamar. Primeiro, temos hoje uma safra de empreendedores experientes, que chamamos de “super founders”. Trata-se daquela pessoa que já fez e deu errado, mas está fazendo de novo; já fez e deu certo e agora está fazendo algo maior. Isso é muito significativo. Segundo, já temos uma safra de empresas globais, como Pipefy, Resultados Digitais, Gympass, Hotmart, Wildlife. Com empresas globalizadas o nosso “addressable market” aumentou, não estamos falando somente de Brasil. O Brasil é um dos maiores mercado de tecnologia do mundo, o Brasil está entre os cinco principais mercados de todos os grandes players globais de tecnologia, especialmente de consumo e pequenas e médias empresas. Por último, agora temos capital, muito dinheiro, mas ainda aquém daquilo que poderia ser a capacidade do mercado. O que torna essa classe de ativos bastante interessante, do ponto de vista de investimentos.

6) Minha entrada no mundo de VC, como Advisor, foi motivada pela minha experiência como executivo de grandes empresas, e não pelo valor investido. Como você vê a participação de Advisors e Mentores em startups?

Rigonatti: Uma startup não vive sem mentores e advisors e a indústria está construída para envolver indivíduos que, mais do que dinheiro, trazem conhecimento, trazem valor agregado, seja do setor ou de parte da engrenagem importante para aquela empresa funcionar. Os empreendedores estão acostumados e buscam isso e os fundos também. Equity é a moeda de troca para o envolvimento desses talentos.

Kadu: O nosso DNA passa por ter uma rede de Advisors, que cultivamos com muito zelo. Promovemos vários encontros (presenciais e virtuais) onde estes agregam valor às investidas. Alguns deles são convidados a assumir posições de conselho nas empresas, e outros acabam assumindo posições “full time”. Essa sinergia é fundamental, principalmente para nós que temos um foco em empresas B2B.

7) Qual a mensagem para os executivos (na ativa ou aposentados) que eventualmente estejam planejando sua próxima carreira? E o que dizer aos empreendedores?

Kadu: Não há melhor maneira de se reinventar do que se inserir nesse ecossistema. O aprendizado é diário e os executivos conseguem aportar bastante experiência. Mas é preciso ter a mente aberta para também aprender com os empreendedores.

Rigonatti: A mensagem que damos para quem pensa em empreender é: busque fazer alguma coisa que você ame, busque fazer alguma coisa que você conheça muito, busque fazer com pessoas com quem você já tem experiência de trabalho em conjunto. Se é pra fazer alguma coisa, faça algo onde você tem 10 mil horas de experiência do problema ou da solução. E suba a montanha com gente que você confia, com gente que já tem experiência de trabalho, porque, decidir quem é o chefe no meio da montanha, não dá.

8) Você já foi investidor anjo? Quais as dicas que você pode dar para quem se interessa em investir em VC? Vale a pena ir sozinho, como investidor anjo, ou através de um fundo? Quais são as principais diferenças?

Rigonatti: Comecei minha carreira de investidor como anjo e acho que todo mundo não só deve, mas terá que fazer isso, tanto do ponto de vista de conhecimento de mercado, quanto de retorno financeiro. A dica que a gente dá é fazer isso em ambientes em que você tem muito conhecimento, no setor que você conhece muito bem e, com pessoas que você conhece muito bem. Qual é a vantagem competitiva de um investidor? É conhecer muito de um mercado, é conhecer muito de uma dinâmica, seja de programação, de vendas, de talentos, etc., e fazer isso com gente que ele conhece muito bem. Venture Capital é uma classe de acesso, é um “access class” e não um “asset class”.

Kadu: Acho fundamental fazer um investimento anjo. É uma maneira de retribuir à sociedade. O Silicon Valley cresceu com essa mentalidade. A grande maioria dos founders investe em novas empresas após uma saída. O mesmo acontece na indústria de cinema de Hollywood. O feedback é enorme.

9) Está correto dizer que houve um aumento no interesse de fundos de investimento e Family offices em investir no segmento de Venture Capital? Se sim, como você vê esse movimento?

Kadu: A redução das taxas de juros fez explodir o interesse das famílias pelos ativos. É importante, porém, estudar bastante o fundo e a gestora antes de entrar. É um perfil de investimento mais sofisticado, e requer conhecimento maior para investir.

Rigonatti: Muito. As famílias perceberam que, com essa taxa de juros, terão que procurar investimentos ilíquidos. O mundo está caminhando para uma gestão mais ilíquida. As empresas têm demorado mais para fazer IPO, maior parte do valor que elas criam, estão criando ainda na fase antes de ir ao mercado. Além do que as pessoas estão procurando uma maneira de se aproximar dessa realidade, desenvolver novos relacionamentos, aprender e, replicar isso nos negócios da família. Dessa forma, Venture Capital não é só um investimento financeiro, mas é também um investimento intelectual e de relacionamento.

10) Se VC está se tornando cada vez mais atraente aos investidores, liquidez talvez não seja mais o principal problema. Quais são os gargalos atuais desse setor?

Rigonatti: O gargalo atual da indústria de VC é não ter completado o ciclo aqui dentro de casa. Temos muitos anjos, muitos fundos de “early stage”, mas não temos fundos atuando de maneira incisiva no “late stage” e pré-IPO. Muito desse dinheiro ainda vem de fora e ainda não ligamos a cadeia produtiva à bolsa de valores no Brasil. Esse deve ser o próximo passo dessa evolução.

Kadu: Mercados mais maduros têm apresentado mais soluções de liquidez para os investimentos de VC. Ainda assim, a liquidez dos investimentos de hoje é muito superior à de 10 anos atrás. Mercados de acesso a bolsa de valores, que permitem empresas menores serem listadas, devem surgir em breve por aqui.

11) Como uma pessoa comum, que não seja um investidor profissional, pode investir em Venture Capital? 

Kadu: Para os que não são investidores profissionais, existe sempre a possibilidade de se aproximar do ecossistema, assistindo e participando de palestras e eventos do setor, e eventualmente se tornando anjo em alguma empresa.

Rigonatti: Hoje qualquer casa de multi family office tem um produto de VC. A Reliance tem um FIPE para os clientes só de VC, assim como o BTG, G5, Gera, JGP, por exemplo. Todas elas criaram estruturas para dar acesso aos seus clientes. Hoje a classe de ativos é acessível através dessas plataformas de gestão de patrimônio.

12) O que a indústria de Venture Capital pode fazer para ajudar a sociedade em uma situação que estamos vivendo hoje?

Kadu: Várias startups estão trabalhando em várias frentes para ajudar no controle da pandemia. Algumas estão conseguindo desenvolver kits para conectar vários pacientes a um mesmo ventilador de UTI. Outras estão ajudando no rastreamento de pessoas infectadas podendo gerar alarmes a pessoas que estiveram próximas a essas pessoas. Outras estão ampliando ofertas em telemedicina e ensino a distância. Enfim, esse período de crise fará evoluírem várias tecnologias e quebrará várias barreiras que hoje impedem a disseminação de tecnologias já existentes.

Rigonatti: Nosso esforço na Astella hoje é fazer um “mega hack”, para juntar todas as ideias, inspirar as pessoas, sair do isolacionismo e ir para o cooperativismo. Circular as ideias para quem tem que gerar renda, gerar renda; para quem tem que ficar em casa, ficar numa boa. Quem estiver interessado no desafio acesse o link MegaHack Covid-19 Economia.

Outros artigos