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Competitividade no setor de Pagamentos

Autor: Edson Santos.

Data: 12 de abril de 2019

   

1 – OBJETIVO:

Em agosto de 2014, o artigo “O lento progresso da competitividade na indústria de pagamento” teve como objetivo retratar a Indústria de Meios Eletrônicos de Pagamento no Varejo quanto ao cenário competitivo, players relevantes e barreiras de atuação. Hoje, pretendemos revisar as mudanças ocorridas nos últimos 5 anos; entender a evolução da indústria de pagamentos e avaliar a competitividade no setor.

Com base nas análises expostas neste artigo, fica evidente que houve um progresso importante no ambiente competitivo. As ações pontuais do Banco Central do Brasil, assim como do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, atacaram algumas barreiras importantes que apontamos em 2014. Entretanto, também é fato que a demora na implantação das reformas deixa evidente que esse progresso, ainda que importante, foi relativamente lento. Além disso, alguns dos problemas apontados em agosto de 2014 ainda estão sem solução, como será mostrado a seguir.

2 – CENÁRIO COMPETITIVO ATUAL:

Em 2014, contávamos com um total de 6 Credenciadoras em operação. Cielo e Rede juntas tinham cerca de 90% de market share; GetNet cerca de 6%; e as outras empresas que entraram no mercado – as brasileiras Banrisul (Vero), PAGSeguro e Stone Pagamentos e as americanas Elavon e Global Payments – que somadas tiveram uma participação menor que a GetNet, terceira maior adquirente. No início de 2019, chegamos a 16 Credenciadoras operando ou em início de operações no Brasil.

Desde a abertura do mercado, em 2010, já somamos 14 novas entrantes, que capturam, processam e liquidam transações das bandeiras Visa, MasterCard, Elo e Hiper, entre outras; lembrando que a Elavon foi adquirida pela Stone e que a PagSeguro trouxe micros e pequenos empresários para o mercado (MEI). Apesar do aparente aumento significativo na concorrência, as credenciadoras controladas pelos grandes bancos (a Cielo é ligada a Bradesco e Banco do Brasil, a Rede ao Itaú-Unibanco e a GetNet ao Santander) continuam dominando o mercado e, juntas, possuem mais de 80% de market share, além de terem bandeiras próprias.

Com o crescimento do mercado e a entrada de novos competidores, a expectativa era que inovações importantes fossem introduzidas e, consequentemente, uma mudança significativa de “market share”. Entretanto, o que se viu foi uma comoditização do setor, com alguma diminuição da concentração, mas não de forma estrutural: o mercado de pagamentos acaba refletindo a concentração bancária tradicional, de modo que é necessário ficar atento às possíveis práticas anticompetitivas no setor.

3 – O QUE MUDOU – MOVIMENTOS RECENTES:

Nos últimos 5 anos, o Banco Central do Brasil (BCB) tem buscado atuar para aumentar a competitividade, eficiência e inclusão no Sistema Financeiro Nacional através das mais de 70 normas, das quais cerca de 1/3 dedicadas à atividade de credenciamento. De modo semelhante, a autoridade antitruste, o CADE, tem atuado para coibir abusos nas condutas dos líderes de mercado com uso intensivo de medidas corretivas, como Termo de Compromisso de Cessação (TCC).

O mercado de pagamentos tem incentivos para a verticalização especialmente por ser a porta de entrada para a oferta de diversos outros produtos e serviços financeiros aos clientes. Os conglomerados financeiros que atuam nas diferentes pontas – emissor, credenciadora e bandeira – possuem posições cruzadas que potencializam o poder de mercado e garantem compensação de margens entre as atividades mais e menos competitivas.

No atual cenário brasileiro, é fácil perceber que a concentração do setor bancário acaba sendo refletida na indústria de pagamentos. No artigo de 2014, eram apontados como problemas derivados ou amplificados pela verticalização: a) ações anticompetitivas dos grandes players em relação à agenda de recebíveis e à trava bancária; b) altas tarifas cobradas pelos bancos emissores às credenciadoras; e c) os acordos de parceria entre bancos e credenciadoras como forma de fechar o mercado.

Entre 2014 e 2019:

a) O Sistema de Controle de Garantias, um acordo privado para centralização das operações com recebíveis de cartão de crédito, foi alvo de inúmeras críticas, porque criava barreiras artificiais à competição e limitava a liberdade financeira do varejista. Essas práticas dos grandes players (Cielo, Rede e seus respectivos controladores bancários) foram investigadas pelo CADE e punidas com acordos para cessar as condutas. Enquanto isso, as discussões sobre alternativas ao SCG continuaram e contaram até com intervenções do BCB, que vislumbrou uma solução ideal em 2018, ao propor a consulta pública (CP 68). Espera-se que uma solução definitiva esteja disponível para o mercado a partir de 2020. Até lá, o BCB tem proposto uma transição tão suave quanto possível entre o SCG e a solução ideal. Nos últimos meses, algumas normas foram editadas para introduzir a possibilidade de travas parciais da agenda de recebíveis, o que daria maior liberdade ao varejista.

b) Como apontado em 2014, o problema em relação às tarifas bancárias foi relativamente bem resolvido com a definição de instituição domicílio e a centralização da liquidação de pagamentos na CIP, um “clearing house” controlada pelos bancos. Além disso, a maioria dos acordos de parceria firmados entre Cielo, Rede e diferentes bancos, fora do grupo de controle, foram se modificando, o que incentivou alguns deles a criarem suas próprias credenciadoras.

c) Como mostrado em 2014, havia amplo espaço para que houvesse acordos de exclusividade entre empresas do mesmo grupo bancário ou entre os dois maiores players para fechar o mercado. Nesse período, o CADE abriu três Inquéritos Administrativos para investigar essas relações de exclusividade entre as credenciadoras Cielo e Rede e seus bancos controladores, além de outras práticas anticompetitivas. Como punição, as empresas assinaram acordos em 2017 e 2018 para cessar condutas como venda casada e contratos de incentivo, por exemplo.

4 – O QUE AINDA NÃO MUDOU OU ESTÁ EM FASE DE MUDANÇA:

Apesar dos efeitos benéficos dessas intervenções, ainda há muitos desafios concorrenciais que exigem atuação dos legisladores, do regulador e do CADE. Abaixo, alguns dos “velhos” e dos novos obstáculos a serem enfrentados pelas autoridades de defesa da concorrência, principalmente tendo em vista as inovações que se espera no mercado:

a) A verticalização dos meios de pagamento: através de bandeiras próprias, os bancos vêm adotando medidas que aumentem os custos de seus concorrentes como forma de transferir a perda de receita de uma etapa da atividade com maior competição (o credenciamento) para uma menos competitiva (a emissão). No Brasil, em 2018, essa prática foi tema de audiência pública no CADE com especialistas e participantes do mercado, além de abertura de investigação motivada por relatório do Senador Armando Monteiro na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, no qual ele recomenda que “deveria ser considerada a possibilidade de proibição pelo CADE de que o mesmo grupo financeiro seja controlador de empresas que atuam em todos os elos do sistema de pagamentos: bandeira, emissão e credenciadora. Em outras palavras, proibir a verticalização poderia ser uma medida mais efetiva que o padrão atual de punições através de multas” (pgina 48);

b) Intercâmbio e tarifas: para a competição continuar entregando valor para o varejo e, potencialmente, ao consumidor final, é preciso que a regulação garanta limites para que o poder de mercados dos grupos verticalizados – especialmente os que têm bandeiras e emissores juntos – não distorçam os preços cobrados nas tarifas e na taxa de desconto do cartão. A tarifa de intercâmbio tem se elevado ao longo dos anos e é uma barreira para a concorrência entregar o melhor produto ao varejo.

c) Open Banking: informação é requisito essencial para boa competição e o Open Banking é uma revolução que busca colocar a propriedade e o controle dos dados financeiros aos seus reais donos, os clientes, que são os criadores dessas informações. Hoje, eles não podem usar ou compartilhar essas informações com outros provedores de serviços de maneira rápida e segura. O BCB indicou, em 2018, que estava estudando modelos de regulação para este tema, especialmente porque está ligado ao tema de pagamentos instantâneos, que também é alvo do regulador.

d) Exclusividade de bandeiras e cartões de benefícios – PAT: a exclusividade de bandeira de arranjos abertos só foi encerrada em 2017. Atualmente, praticamente todas as bandeiras e vouchers são aceitos por todas as credenciadoras. Entretanto, ainda se observa acordos paralelos que podem ser alvos de críticas pelas novas entrantes.

5 – CONCLUSÃO:

Embora o artigo que preceda a esse texto seja de 2014, pode-se dizer que seu título segue atual pelas razões apontadas. Progresso na competição houve, isso é inegável. Entretanto, ele foi lento e a necessidade de tantas intervenções do regulador e da autoridade concorrencial reforçam a ideia de que os grupos verticalizados atuaram na preservação do “status quo”.

No setor de meios de pagamento, deve-se aplicar um olhar atento sobre as estruturas verticalizadas que preservam poder de mercado. Também parece haver a tentativa de atrasar as mudanças, quase sempre com a “explicação” da necessidade de investimentos em tecnologia para atender as mudanças.

Apesar de o Banco Central estar pensando a regulamentação do futuro da indústria de pagamentos – open banking, pagamentos instantâneos, entre outros temas -, ainda há passivos a serem resolvidos, mas que são atrapalhados pela ação dos grandes players. O “freio-de-mão puxado” pode atrasar, mas não deve ser capaz de impedir que a transformação aconteça e beneficie os lojistas e os consumidores finais. Há um crescente desejo da sociedade por outras formas de consumir produtos financeiros, na linha do que as pessoas já experimentaram em outros setores, como no uso de aplicativos no transporte urbano, hospedagem, etc. No próximo texto, abordaremos os efeitos da verticalização em maior profundidade.

 

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