Autor: Edson Santos.
Data: 20 de janeiro de 2017
No post de 28/12/16, sob o título “Cartão de crédito: Por que o lojista só recebe em 30 dias?“ o Victor comentou: “Qualquer dia, se te interessar, te conto como é que as taxas cresceram de 2% para até 5% e porque os prazos subiram para 31 dias.”
Aqui vai a história contada por quem a viveu:
Como a história anterior ajudou alguns amigos a lembrarem de uma boa época da Credicard, recebi pedidos de completar a narrativa explicando como o mercado estabeleceu, em 1985/86, a taxa de desconto de 3% e o prazo de 31 dias.
Mas para isso é preciso lembrar do mercado da época. A Credicard já era líder, tanto como emissor como adquirente. Os cartões emitidos no Brasil só seriam aceitos no exterior em 1991 (alguém do Marketing Credicard da época podia um dia contar a história do anúncio que a Credicard fez no meio do Jornal Nacional anunciando a internacionalização, ao som de “What a wonderful world”), mas várias bandeiras internacionais já eram aceitas no Brasil, entre elas a American Express. Para a equipe de campo da Credicard, Amex era uma marca complicada de enfrentar. Seus executivos de contas tinham um discurso poderoso e bem treinado. Depois de assistir a uma exposição de um representante da Amex, era difícil não acreditar que eles eram mesmo os melhores do mundo em tudo que faziam. Mas os lojistas prezavam mesmo era quem vendia mais, e nesse ponto a Credicard era imbatível, e passava longe das demais redes adquirentes, incluindo o Amex. O fato é que o Amex era o “cartão sonho”, porque todo mundo gostaria de ter um, mas a faixa de renda era bem mais alta. Mas no portfólio da própria Credicard existiam mais portadores com renda para ter um Amex do que o próprio Amex tinha em número de cardholders. Existia um certo temor da Credicard pelo crescimento do concorrente nesta faixa de renda. Dizem que esta foi uma das razões da Credicard comprar o Diners Club, que tinha bastante superposição do público alvo com o American Express. Como contrapartida, dizia-se que o Amex, lançando o Sollo, tentou fazer o movimento inverso, lançando uma marca que competia com o Credicard na classe média.
O fato é que, concretizado o negócio, com requintes românticos de carregar listagens no meio da noite entre os dois endereços da Rua do Ouvidor (tanto o Diners Club como a filial Rio da Credicard estavam separados por poucas quadras), já que no momento de concretizar o negócio o governo estava intervindo no Sul Brasileiro, que administrava o Diners, tínhamos uma grande tarefa pela frente, que era a “unificação de maquinetas”. O trabalho consistia em visitar fisicamente cada lojista filiado à Credicard e ao Diners Club, deixando apenas uma maquineta, sinalizando as vitrines com os dois adesivos e principalmente, combinando a taxa e prazo que seriam válidas na aceitação Diners. Como o Diners Club tinha uma estrutura diferenciada, com benefícios exclusivos, o “custo por conta” era bem maior, e o Diners precisava de uma receita maior para alcançar os resultados esperados. A solução encontrada foi aumentar a taxa de desconto para 3%, superior aos 2% cobrados no credenciamento aos estabelecimentos filiados à Credicard. Fomos a campo com esta orientação, mas o mercado não recebeu bem a novidade. Afinal, diziam os lojistas, o que o Diners nos oferece como lojistas? Eles pouco se importavam com as benesses ofertadas aos portadores. E como as vendas Diners eram bem menores, ficava difícil exemplificar o discurso que aprendemos, de que o comprovante médio era maior, que o cliente Diners era mais gastador, etc. Aos poucos começamos a ter estabelecimentos que só aceitavam Credicard, em função da menor taxa. E isso contrariava o gol de fazer do Brasil a maior rede de estabelecimentos do Diners Club International.
A solução veio em uma reunião da área de estabelecimentos da Regional Rio. Por decisão apenas nossa, decidimos equiparar as taxas e prazos, acabando com a diferenciação. Como não podia deixar de ser, equiparamos por cima, ou seja, passamos a filiar novos estabelecimentos com 31 dias de prazo e taxa de 3%, nas duas bandeiras. E sempre que possível, renegociar as taxas antigas para o novo patamar. Na primeira convenção de vendas que fizemos os resultados de rentabilidade da Filial Rio eram tão expressivos em relação às outras filiais que o procedimento virou regra. E a partir daí vieram anos e anos de prática com o famoso “31 com 3”.
Contado assim, parece fácil. Mas quem viveu a época sabe a dificuldade que foi. Mas tínhamos uma postura absolutamente inovadora junto aos lojistas, como a distribuição de displays comemorativos em todas as datas importantes do comercio (Natal, Dia das Mães, dos Namorados, etc), o mercado aceitou bem, e o que aconteceu depois foi que todos os concorrentes com o tempo adotaram os 3% como padrão. Sem isso, dificilmente seria possível mais tarde redistribuir a arrecadação da taxa de desconto pelas mudanças no interchange pago aos emissores, como veio a ocorrer depois. Mas isso já e outra história. Por hoje é só. Abraços a todos que trabalham ou trabalharam neste fascinante mercado de cartões.
Victor Esteves